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Artur da Cunha Coelho nos 50 anos do PS

A política está ensombrada com nomeações para cargos governamentais, de pessoas que imediatamente ou pouco depois da aceitação revelam não possuir a necessária ética republicana imprescindível ao exercício de funções públicas de alto relevo, não se vendo como o questionário de verificação prévia, aprovado por resolução do conselho de ministros, possa aportar solução válida, até porque preenchido livremente pelo próprio sem que seja escrutinado e contraditado por entidade externa ao primeiro-ministro. O mesmo sucede com colocações ilegais e indecorosas para posições em sociedades privadas de ex-governantes.

É em tempo de crise dos valores éticos que assumem prevalência as teses do “back to basics”, não tanto no sentido que lhe deu o então primeiro-ministro inglês John Major, pugnando pelo enaltecimento dos valores tradicionais, mas com o alcance de revisitar a personalidade dos “pais fundadores” do atual regime e dos partidos democráticos que o compõe, sobretudo os do arco de governação.

O partido socialista, por razões ligadas à circunstância de governar o país com maioria parlamentar absoluta, logo recair sobre ele a responsabilidade da instabilidade ocasionada com escolhas impróprias de governantes e por comemorar este ano, a 19 de abril, o cinquentenário da sua criação, tem motivos de sobra para um olhar profundo sobre a qualidade ética, profissional e valorativa dos seus fundadores, ao tempo em que eram os melhores que estavam na política e dirigiam os partidos, muito antes de ascenderem aos mais altos cargos aqueles que provêm de carreiras iniciadas nas juventudes partidárias.

O notável advogado bracarense Artur da Cunha Coelho é daquelas personalidades que preenchem as caraterísticas do que deve ser um político, na defesa da justiça, equidade e mérito. É um dos fundadores do PS, tendo numerado o seu cartão como militante 39. Se o partido procedesse a renumeração de militantes, considerando os que entretanto faleceram ou que eventualmente se tenham desfiliado, seria um dos militantes com um dos primeiros números, não que isso lhe importe, porque nunca se interessou por louvores, ele que por mérito próprio poderia ter ascendido aos mais altos cargos da nação ou locais, o que sempre rejeitou, cultor da aristotélica mensagem que a grandeza não consiste em receber honras, mas em merecê-las.

Foi um dos grandes advogados portugueses do tempo em que exerceu, visitado no seu escritório por personalidades como Salgado Zenha de quem era amigo, ostentando no seu antigo escritório uma fotografia num comício no Teatro Circo, num período quente que se sucedeu no 25 de abril, em que surge na mesa ao lado de Mário Soares, ao tempo em que António Guterres era apenas o responsável pela organização do evento.

Escrever sobre o mestre da cidadania e do direito é difícil, sobretudo porque está bem vivo, felizmente. A mão estremece, a mente vacila. João Lobo que lhe dedicou o “Togas, Becas…” enfrentou o mesmo dilema, salva-nos o que aí escreveu: “que a obrinha… desmerece da valia do tributo devido, assim será. Peço-lhe, por conseguinte, lata complacência…”.

Tal como os discípulos da escola peripatética da Grécia Antiga fundada pelo Estagirita, caminhava frequentemente em amplos passeios pela cidade de Braga, a que se lhe juntavam magistrados, colegas e personalidades locais, a quem nunca recusava um solicitado conselho, ouvindo-o discretear em longas conversas sobre a riqueza de vida e granjeando da sua úbere e sábia seara, herdeiro da oratória de Cícero que sempre admirou.

Pudessem todos os políticos e aspirantes à governação do país aprender com Artur da Cunha Coelho, ouvindo como do romano Horácio que “a vida nunca deu nada aos mortais sem grandes fadigas”, como demonstra a sua carreira construída com elevado empenho e trabalho, que aliou a uma enorme cultura e inteligência, entendendo a república verdadeiramente como coisa do povo, oposto ao corrompimento moral do Estado a que assistimos, pugnando pela conceção de virtude do “De Res Publica”de Marco Túlio como arte que. para ser entendida. tem que ser praticada pois “uma arte qualquer, pelo menos, mesmo quando não se pratique, pode ser considerada como ciência; mas a virtude afirma-se por completo na prática e o seu melhor uso consiste em governar a república e converter em obras as palavras que se ouvem na escola”.


Autor: Carlos Vilas Boas
DM

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19 janeiro 2023