Saúde só para alguns?
Na quadra natalícia, mormente na passagem do ano e nos primeiros dias de Janeiro, é praxe social generalizada desejar a familiares e amigos felicidades para o Novo Ano, sobretudo no que à saúde concerne. E isso porque, sem este precioso bem, de pouco ou nada valerão prosperidades e riquezas que se não possam gozar.
Ora, em Portugal, a saúde da generalidade dos cidadãos passa, essencialmente, pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) que ao Estado cumpre manter como universal e tendencialmente gratuito, nos termos prescritos na Constituição.
Todavia, por muito que os governos apregoem a eficiência e a excelência do SNS, são por demais evidentes as fragilidades do sistema e as desigualdades que comporta, designadamente quando se trata de garantir aos portugueses o direito básico a um médico de família.
Sabe-se – e as estatísticas demonstram-no – que, no final de 2021, mais de 1,1 milhões de portugueses não tinham médico de família e que, em 2022, tal situação se agravou, particularmente na região de Lisboa e Vale do Tejo, muito por força de um pico de aposentações de médicos de família (800) que representa o número mais alto da última década. E de tal forma que, actualmente, são já 1,4 milhões os cidadãos sem médico de família atribuído nos centros de saúde o que corresponde, sensivelmente, a quase um sétimo do total de pessoas inscritas no SNS.
As consequências de uma tal situação são especialmente graves na população mais idosa e vulnerável, sujeita a doenças crónicas e, por isso, com maiores necessidades de seguimento médico. Por conseguinte, não admira que, por falta de médicos no SNS e de organização e apetrechamento dos centros de saúde, as urgências dos hospitais públicos fiquem entupidas, com tempos de espera absolutamente absurdos e intoleráveis. E isto quando a Ordem dos Médicos garante que há 1.600 especialistas em Medicina Geral e Familiar fora do SNS!…
Perante tão indecoroso e iníquo estado de coisas, urge reclamar por uma rápida reforma estrutural do sector que dê plena satisfação ao imperativo constitucional do direito à saúde.
O diagnóstico dos males da saúde em Portugal está feito há muito tempo: falta de investimento adequado no capital humano, a base do SNS; pagamento insuficiente aos médicos e aos enfermeiros; centros de saúde mal equipados, com horários estreitos e incapazes de tratar os doentes que aí deviam ser tratados (e não nas urgências hospitalares, como vem acontecendo); degradação de equipamentos e edifícios; ausência de vontade política para fazer uma reforma urgente da rede hospitalar que privilegie critérios de eficiência, de escolhas de equipas de gestão baseadas no mérito e de diferenciação qualitativa dos hospitais do ponto de vista técnico-profissional; e falta de visão estratégica do Estado para o SNS.
Enquanto se não encararem frontalmente estes problemas e se não tomarem as medidas certas para os debelar, jamais será possível garantir a todos os cidadãos um acesso equitativo e de qualidade aos cuidados sanitários. E é pena, porque a dignidade humana que Jesus Cristo veio resgatar se não compadece com a discriminação e a desigualdade que vemos espelhadas no sistema nacional de saúde no nosso país.
Apesar disso, tenho esperança que as coisas possam mudar e que, mais cedo ou mais tarde, num momento de verdadeira epifania, a consciência colectiva da nação venha a impor a reforma do sector que os sucessivos governos têm vindo a adiar.
É com este sentido que desejo aos leitores do DM um Novo Ano com muita saúde e muitos momentos felizes, que permita a todos concretizar os sonhos que acalentam!