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Aquele que muitos incompreenderam!

  1. É bem verdade que, no ocaso da nossa existência, o que ouve dos nossos lábios espelha – quase sempre – o que se viu na nossa vida.

A minha Mãe, que nunca cursou Teologia, repetiu, vezes sem conta, até partir: «Amado Jesus». O Papa Bento XVI, que levou – e elevou – a Teologia a culminâncias dificilmente alcançáveis, concluiu o seu percurso na terra, rumorejando: «Senhor, eu amo-Te».

  1. E o amor foi, indiscutivelmente, a síntese da sua história e a chave do seu pensamento.

Espanta, pois, que, mesmo em obituários que têm saído em catadupa, continue a ser incompreendido: por muitos que nunca o leram ou que distorceram o que ouviram.

  1. Fixemo-nos brevemente na sua primeira encíclica, uma súmula de quanto produzira antes e uma espécie de pórtico do que se propunha fazer depois.

«Deus é amor», assim se intitula o documento. São palavras «que exprimem, com singular clareza, o centro da fé cristã».

  1. É pelo amor que conhecemos Deus e é pelo amor que reconhecemos o homem como imagem de Deus.

Daí que o Papa da Razão e da Fé possa – e deva – ser apresentado também como o Papa do Amor.

  1. Desde cedo, expôs o «logos» não só como «palavra», mas também como «razão» e «sentido».

A razão primeira e o sentido último do «logos» é o amor. Daí a sintonia com Hans Urs von Balthasar – também ele teólogo de renome e amigo de Joseph Ratzinger –quando sustentava que «só o amor é digno de fé».

  1. O amor não nos leva apenas a sentir. É o amor que nos permite igualmente conhecer.

Com uma inspiração assolapadamente agostiniana, Bento XVI propunha Deus como um «amante», dotado de «”eros” pelo ser humano».

  1. A bem dizer, «o amor é a única realidade, embora com múltiplas dimensões».

Por conseguinte, o amor vem antes de tudo e está acima de tudo, até da justiça. É que, «enquanto a justiça me leva a dar ao outro o que é dele, o amor impele-me a dar ao outro o que é meu».

  1. Acresce que «o amor é possível». Pelo que o programa do cristão, como o programa de Jesus, é «o coração que vê».

Estriba, por isso, no amor a verdade do Evangelho. Assim sendo, viver a verdade do amor e defender o amor da verdade é o caminho irrenunciável do discípulo de Cristo.

  1. Devemos a Bento XVI – que nos deixou no último dia do ano findo – a dedicação, o afinco e também o despojamento com que se entregou a esta missão.

Que tenha sido incompreendido – e inclusive hostilizado – é uma das maiores perversidades deste nosso tempo.

  1. Ao contrário, porém, dos que o incompreenderam, a irreprensibilidade da sua conduta e a sabedoria do seu magistério terão o reconhecimento devido e não muito distante.

A sua canonização – e concomitante declaração como «Doutor da Igreja» – vincarão o brilho de alguém que a humildade tornou ainda maior!


Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
DM

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3 janeiro 2023