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Gasoduto e o egoísmo na EU

Nos últimos dias assistimos a múltiplas comunicações a propósito do acordo sobre o gasoduto ibérico, designação geograficamente limitada para um pipeline que abrange ainda o transporte de gás natural entre Barcelona e Marselha.

Ao governo é geralmente reconhecido um grande poder de comunicação, que nas palavras da oposição significa somente capacidade de manipulação. No novo acordo do gasoduto o que mais impressiona não é só a falha nessa informação, mas também a confusão criada pelos especialistas e da própria oposição nas palavras de Rangel, um eurodeputado que habitualmente prima pelo rigor das suas intervenções.

O governo assume uma vitória após sete anos de impasse, atento que o contrato de 2015 (interconexão “MidCat”) nunca saiu do papel, por desinteresse da França na sua implementação. Montenegro referiu o acordo como positivo, mas o seu vice-presidente veio dizer que se trata de um mau acordo, exigindo conhecê-lo, no que parece acompanhado por vários especialistas. Em resposta, o ministro do Ambiente considerou um absurdo tais críticas, mas também não mostrou nem detalhou o acordo.

A perceção do cidadão comum é de incompreensão: se ninguém conhece o acordo, os partidos e os experts multiplicaram-se em declarações sobre o quê? Como é que os portugueses percebem se as vantagens superam os inconvenientes, se não lhes enunciam os pressupostos e as cláusulas do contrato? Como é que o ministro do Ambiente pretende criticar quem se opõe ao Acordo, se não o exibe? Como é que a oposição e os especialistas dizem que é um erro, se não o conhecem?

Na perspetiva dos políticos interessa saber quanto vai custar o projeto a Portugal e se tem financiamento da UE, mas nunca efetuando a pergunta que todos os empresários colocariam, ou seja, qual a rentabilidade do projeto e quais os benefícios reais para as contas do Estado – e, nessa medida, para o povo português – pois investir 300 milhões de euros mesmo sem financiamento será da maior oportunidade se a rentabilidade a médio e longo prazo se revelar muito superior, ainda para mais num contexto de crise energética; ao contrário, será prejudicial o negócio se tiver financiamento integral mas revelar-se deficitário.

Nenhuma garantia existe que este acordo vai ser concretizado, considerando a resistência da França ao anterior. Recorde-se que ainda há cerca de um mês Macron dizia que não acreditava no interesse em investir num terceiro gasoduto entre a França e a Espanha. Pressionado pelos congéneres terá aparentemente cedido, assinando a contragosto e com reserva.

A UE é composta de países que nunca abdicaram da defesa dos seus interesses nacionais em prol de um projeto europeu. Scholz defendeu o gasoduto como fundamental para garantir o abastecimento energético dos países da UE mais dependentes de gás russo, caso do seu país. Depois do Brexit, a França assume uma posição mais nacionalista, ainda que sem as proporções britânicas. Na brilhante série “yes minister” o funcionário de topo explicava ao ministro que a entrada do Reino Unido na CEE devia-se a ter concluído que não a podia destruir de fora, sendo mais fácil desfazê-la por dentro e que o investimento militar não se destinava à defesa do território contra a União Soviética, mas sim contra a Alemanha ou a França.

O egoísmo francês traduz-se numa defesa contra os benefícios que a Alemanha terá com o gasoduto. Macron é o líder ocidental que mais vezes falou em 2022 com Putin, lembrando-se a aliança da I Guerra Mundial contra o império germânico.

Será um desperdício que a solidariedade na EU no período da pandemia não se repercuta para os tempos que lhe sucederem, num cenário de guerra e da divulgação dos Estados Unidos duma nova estratégia para o Ártico,considerando que o derretimento das calotas polares abre novas áreas ao transporte marítimo e oferece oportunidades para que as potências como Estados Unidos, Rússia e China concorram pelos inúmeros recursos e influência na região, numa China cujo percurso de abertura ao Ocidente foi invertido com Xi Jinping, elevado a um estatuto de presidente eterno, visionando-se em direto o afastamento brutal no Congresso do PC chinês do anterior presidente Hu Jintao e a queda na hierarquia do primeiro-ministro Li Keqiang. Só uma UE forte e coesa poderá aspirar a potência competidora pelos mesmos recursos.


Autor: Carlos Vilas Boas
DM

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27 outubro 2022