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Senhores políticos, não dêem mais cabo da Educação

Estou fora do sistema educativo há uns anos. Ainda hoje antigos colegas me perguntam se tenho saudades da Escola. Saudades da minha Escola,... claro. Fico, entretanto, pensativo, hesitante, um pouco absorto até, perante a questão, se bem que a minha resposta, já bem interiorizada, se mantenha sempre a mesma: Qual Escola? A Escola das burocracias, dos planos e dos projectos? Das reuniões intermináveis e maçudas? Das actas “alençoladas”? Da papelada infernal?

Desta Escola não tenho qualquer saudade. Nenhuma. O mesmo não acontece com os alunos e com os pais. Todos os alunos e a maioria dos pais. Sempre foram correctos comigo. Há sempre uns pais mais metediços e impreparados que estorvavam. E estorvam. Sempre tive relações espectaculares com a comunidade educativa por onde lecionei. Não deixei “rabos de palha”, nem contas por ajustar. Cumpri a minha “missão”.

1 - Tenho saudades, claro, da Escola em que o professor tinha “alguma” autoridade e em que os alunos eram disciplinados. Da Escola em que o professor era respeitado e até acarinhado pela comunidade educativa. Da Escola que se envolvia em actividades extracurriculares com gosto e entusiasmo. Da Escola em que os docentes motivados partilhavam experiências, vivências e saberes, numa atmosfera de bem-estar e de compreensão. Sim, da Escola participativa e viva. Da Escola em que os alunos eram o foco das preocupações dos seus professores e estes sabiam estar numa sala de aula como devia ser. Sim, desta Escola tenho saudades. Sem dúvida!

2 - Segundo informações que vou recolhendo junto de professores no activo, esta Escola, que esbocei simplesmente, uns retoques, acabou. Até me dizem que saí do sistema educativo na hora certa. Dizem mais: já não aturo a indisciplina, a falta de autoridade, a enormíssima carga burocrática, os pais zangados. A desmotivação docente é notória e influencia fortemente a acção pedagógica no dia-a-dia. Não é por acaso que as “baixas” por doença são uma marca bem negativa e real no momento educativo actual. Não é por acaso que não há professores para cobrir todas as necessidades da Educação. Não é por acaso que escasseiam candidatos a professores. Não é por acaso que há uma excessiva ingerência dos pais na vida escolar. Não é por acaso que a Escola se debate com problemas de violência e tem alunos sempre insatisfeitos e “desordeiros”. Nada é por acaso. Há causas e os efeitos estão à vista de todos.

3 - A Escola de hoje foi pensada para “amansar” os professores. “Amansá-los” nos salários, na progressão da carreira, no seu trabalho pedagógico, na sua influência socializadora, formadora e cultural. Havia a intenção de os contorcer e torná-los simples funcionários públicos, com todo o respeito pelos funcionários públicos. Os professores são, claramente, actores importantes e imprescindíveis na mudança de mentalidades e na construção de um país mais equilibrado, crítico e mais insubmisso. E esta influência e importância retratou-se durante o período pandémico, em que a capacidade dos professores - de trabalho, de inovação, de querer - veio ao cima. Mostrou a toda a gente que não há Escola sem professores.

A classe de professores é de qualidade superior. Não tenho dúvidas! Sujeitam-se aos mais difíceis ambientes sociais e “acomodam-se” a condições complicadas de alojamento e de distância. Às vezes, até a família fica longe. Praticamente, “abandonada” de afecto e de proteção. E partem. Angustiados, mas partem. Revoltados, mas partem. Desiludidos, mas partem para estarem presentes, junto dos seus alunos e darem o seu melhor. Para ajudarem a formarem homens e mulheres livres, críticos e bons elementos sociais.

4 - Apanhei este “modelo escolar”, não sei como classificá-lo agora, nos últimos anos da minha carreira docente. Esse período final foi difícil e suficiente para me dar cabo da cabeça e empurrar-me para a aposentação. O sistema “obrigou-me” a aposentar. Aguentar tal “bicharoco” que infernizava a vida dos professores e cujos resultados pedagógicos não se alinhavam com o esforço despendido, está bem presente no estado actual da Educação. Ou seja, professores desmotivados, exaustos, zangados, doentes a educar alunos insatisfeitos e rebeldes. Turmas sem professores a todas as disciplinas, são mais de 60 mil alunos. Esta é a dramática situação.

Trabalhar para os papéis e para as estatísticas não se ajusta às verdadeiras necessidades de uma Escola viva e dinâmica, inserida num mundo cada vez mais exigente nos saberes e nas competências. O professor não serve para trabalhar com papéis. O professor é um construtor.


Autor: Armindo Oliveira
DM

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25 setembro 2022