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Isabel Carvalhais: «Mundo rural tem de ser espaço do qual depende o nosso futuro»

Isabel Carvalhais: «Mundo rural tem de ser espaço do qual depende o nosso futuro»
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Publicado em 24 de setembro de 2022, às 16:03

A entrevista da eurodeputada Isabel Estrada Carvalhais ao Diário do Minho.

A Comissão de Agricultura e do Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu esteve nestes últimos dias em Portugal numa missão que se centrou no Centro e Norte do país. O roteiro foi desenhado pelos eurodeputados portugueses, entre eles Isabel Estrada Carvalhais, e incluiu a visitaao Alto Douro Vinhateiro, encontros com agricultores da região de Viseu e o contacto com a realidade rural do Minho.
Diário do Minho (DM): Que impressão leva a Comissão para Bruxelas sobre a realidade agrícola das zonas que visitaram? Isabel Estrada Carvalhais (IEC): Esta missão foi planeada durante bastante tempo. Era para já se ter realizado há mais tempo, mas tivemos o contexto da pandemia e, portanto, foi uma enorme satisfação ter conseguido trazer aqui os diferentes grupos políticos do Parlamento Europeu nesta missão ao território rural agrícola português. Foi uma oportunidade de mostrarmos diferentes realidades da nossa agricultura, diferentes agentes da nossa agricultura. Em termos de balanço, eu devo dizer que fiquei extremamente satisfeita porque vi o agrado, vi a forma muito positiva com que toda a comitiva que nos acompanhou olhou para o resultado final da missão. Eu, em conjunto com Álvaro Amaro, o eurodeputado do PPE, propusemos esta missão a Portugal e procurámos mostrar diferentes realidades. Nós começámos na zona do Alto Douro Vinhateiro para mostrar o que é uma paisagem transformada pelo Homem. O rural não é só o natural, é a natureza trabalhada pelo homem e pela mulher, mas trabalhada com o equilíbrio que permite a riqueza da biodiversidade e a continuação de práticas de sustentabilidade. [caption id="attachment_244678" align="" width="664"]Isabel Carvalhais Avelino Lima[/caption]
DM: Depois foram para a região de Viseu... IEC: Depois viram um patamar mais meso. Como é que é o trabalho da recolha da uva? como é que é a sua transformação até chegar ao vinho? Quem é que está ali pelo meio? Isto depois também é aplicado a outra realidade, como o caso da maçã. Quem é que a apanha? Como é que ela é depois transportada? O que está ali pelo meio? E aí, pudemos ver, tanto no Douro como na região de Viseu, em Moimenta da Beira, o papel fundamental das cooperativas e também das empresas, que são fundamentais para ajudar aquele pequeno produtor que tem menos de um hectar de vinha ou de produção de maçã. Portanto, era importante mostrar esta parte da cadeia de valor. Finalmente, vimos quem é este pequeno produtor. Ao longo da visita falámos muitas vezes do pequeno produtor, do minifúndio. Quem são estas pessoas? Então, tivemos a oportunidade de reunir com um conjunto de pequenos agricultores daqui do nosso distrito, de Vieira do Minho, de Amares, de Braga, de Famalicão, e de mostrar que há outras realidades que acompanham a nossa agricultura. Este pequeno produtor só consegue ganhar escala através da sua presença nas cooperativas, também nas organizações de produtores de outra natureza. Mas, nem todo o agricultor, que tem o seu minifúndio, entra necessariamente na grande escala da exportação. Há uma realidade que é a da agricultura que serve os mercados locais, que serve os circuitos curtos de distribuição. Portanto, todas essas formas são válidas, são diferentes realidades da nossa agricultura. Uma mensagem que passou muito bem é que, nesta diversidade de agentes, há algo que os une que é a vontade e o trabalho intenso no dia a dia de assumirem práticas de sustentabilidade ambiental.
DM: Nestes três dias, que problemas registaram dos contactos que tiveram? IEC: Problema logo à cabeça que foi indicado por vários agentes que contactámos é a falta de mão de obra. Foi transversal esta referência, até mesmo dos pequenos produtores com o seu minifúndio. Esta foi uma das preocupações que nos foram transmitidas. Outra foi a questão das alterações climáticas, porque isto é mesmo impactante no dia a dia do agricultor. Eles sentem essas alterações porque há um antecipar de colheitas, há uma perturbação dos próprios ciclos normais de germinação, de floração, de maturação. As pessoas dizem às vezes um bocadinho a brincar que parece que a natureza anda baralhada. Uma terceira dificuldade que o pequeno agricultor nos transmitiu é que não há uma realidade administrativa que seja adequada à dimensão do pequeno agricultor. O que ele tem que enfrentar quando tem de apresentar uma candidatura, tentar entrar num determinado programa de apoio, as dificuldades que ele encontra são as dificuldades que o outro grande agricultor vai encontrar. Ou seja, não há estrutura que esteja adequada àquilo que é a sua dimensão. Portanto, ele tem que fazer exatamente o mesmo circuito com as mesmas dificuldades administrativas de um qualquer grande produtor. Mas, com a diferença que ele não tem os apoios técnicos, os aconselhamentos que outros grandes agentes da produção agrícola têm. Transmitiram-nos que deveria de existir muito mais simplifação.  
«Eu acho até que o que falta um pouco mais éa coordenação dos vários instrumentos que existem e articulação das sinergias dos apoios europeus».
 
DM: Menos burocracia? IEC: Uma cultura administrativa muito menos burocrática, muito mais facilitadora do que é o seu pequeno negócio.
DM: A desertificação do interior do país poderá ser uma das razões da falta de mão de obra. Esta escassez de mão de obra é um desafio para a agricultura portuguesa? IEC: É um grande desafio para muitos setores, muito seguramente para a nossa agricultura. Mencionou, e bem, o problema da desertificação, e isto tem sido uma das minhas bandeiras no Parlamento Europeu, em particular num relatório que tenho agora em mãos, que é o relatório sobre a visão de longo curso para o mundo rural. A ideia de que nós precisamos, efetivamente, de ter uma estratégia para o mundo rural. Não apenas uma visão, mas uma estratégia. E isso tem que estar contemplado devidamente nos próximos programas de financiamento plurianuais da UE, e tem que estar acompanhado de estratégias rurais ao nível nacional e regional. Nós podemos às vezes dizer que aqui e ali já há presença dessa visão ou dessa estratégia, mas é preciso algo mais sistematizado e consolidado a olhar para o mundo rural. Nós estamos aqui numa região em que, apesar de tudo, há uma enorme dinâmica. Eu vejo muitos jovens com os seus projetos de empreendedorismo rural e, às vezes, quem está só neste contexto pode achar que a realidade é esta. Mas, não. Basta sairmos um pouco para além da riqueza agrícola do nosso distrito e verificamos que há grande envelhecimento da nossa população. Os meios rurais são exemplo claríssimo disso. E nós podemos ter estes jovens, com excelentes projetos de empreendedorismo rural, agrícolas, muito entusiasmados mas, se não há um conjunto de competências, de estruturas nos locais onde residem no contexto rural que os fixe para além do que é o período de um projeto, eles não conseguem ficar. Portanto, um dos apelos que fazemos é que o mundo rural tem de ser encarado, não como um apêndice do mundo urbano, como uma continuidade, uma extensão do mundo urbano, não como um espaço que representa o passado e por alguma razão não tem continuidade, mas como um espaço do qual depende mesmo o nosso futuro. Quando falamos das questões da biodiversidade, das alterações climáticas, da importância da reconciliação com a natureza, ela passa pelo mundo rural. Mas, o mundo rural para sobreviver tem de ter, no mínimo, as mesmas condições que os cidadãos encontram no mundo urbano. Sem isso, não se consegue fixar as pessoas.
DM: E os incentivos financeiros e fiscais podem também ajudar na fixação das pessoas no mundo rural? IEC: Sem dúvida. Tudo é importante. Não há um instrumento em si que seja a panaceia, a resposta. Tudo é importante.
 
«A questão da seca que Portugal atravessa foi referida em todas as nossas visitas».
  DM: E a UE pode ajudar? IEC: A UE tem ajudado. Mas, já agora deixe-me referir que em 2019 aprovou-se em Portugal algo que me parece muito interessante, que é o Estatuto do Jovem Empreendedor Empresário Rural, que vai para além daquilo que é o projeto agrícola e contempla outras atividades, porque há muita multifuncionalidade que pode ter desenvolvimento no contexto rural. Acho que é muito importante. O jovem que se candidata a esta certificação pode fazer depois um caminho mais facilitado no sentido de encontrar programas em que há majoração aos jovens, ou mesmo programas dedicados aos jovens. Portanto, todos esses instrumentos são importantes. Às vezes, eu acho até que o que falta um pouco mais é coordenação dos vários instrumentos que existem, e articulação das sinergias que podem derivar dos apoios europeus. É uma das discussões que temos, é também um dos pontos importantes do relatório que eu tenho das zonas rurais. Às vezes, o dinheiro está lá, os financiamentos existem, os programas existem, mas é preciso criar mais sinergia, mais articulação, a tal cultura da simplificação administrativa sobretudo para os pequenos projetos, e é também preciso mais dinheiro. É, de facto, necessário encarar com muita seriedade aquilo que é o financiamento no mundo rural.
DM: Outro problema que apontou é o das alterações climáticas. A seca que atravessamos é uma das consequências destas alterações. Tiveram eco do problema da seca na agricultura nas visitas que fizeram? IEC: Sim. A questão da seca que Portugal atravessa foi referida em todas as nossas visitas. Eu diria que só aqui no Minho, no nosso encontro com os pequenos produtores do nosso distrito, é que disseram que, apesar de tudo, conseguiram ter alguma água. Mas, sem dúvida que foi transversal. Falou-se muito na importância de nós melhorarmos no nosso país as formas de retenção e conservação da água, da criação de charcas que permitam reter as águas que vêm da chuva, porque há muita água que continua a ser perdida, há muita água que se perde até no processo natural de evaporação. Portanto, nós temos que ter muito mais eficiência no armazenamento, na recolha e depois, obviamente, na utilização da água. Nós verificamos que os nossos agricultores, de uma maneira geral, estão muito recetivos e fazem a utilização de equipamentos que fazem depois uma aplicação muito racional da água no terreno, precisamente para evitar perdas de água. Em explorações de grande dimensão é fundamental esta racionalização do uso da água. E, aqui, a ciência e a inovação são fundamentais para esta agricultura de maior ajuste na utilização dos recursos. E não apenas na utilização da água, mas também na compreensão dos nutrientes que são necessários aos solos para não os desgastar com determinadas práticas. Também algo que nós vimos e foi muito importante é, de uma maneira geral, os agricultores, sobretudo as gerações mais jovens, estão muito apostados, não apenas nos modos de produção biológicos, porque a sustentabilidade não se esgota nesse modelo, mas sobretudo na recuperação daquilo que são práticas agro-ecológicas, às vezes ancestrais, e que agora podem ser melhoradas graças à ciência e à tecnologia. A água, a seca foram referidas muito nos contactos que tivemos, e foi importante passarmos aos eurodeputados que nos acompanharam esta mensagem. Eu tenho sido muito vocal no Parlamento Europeu a falar das questões da seca que têm afetado Portugal e outros países do sul. Mas, outros países que não estavam tão habituados a esta realidade, como a própria Alemanha, começam a perceber o que é isto de ter que se enfrentar a seca. Portanto, é bom que vejam no terreno que não somos nós aqui a criar um discurso, nós apenas damos voz a uma realidade que as pessoas sentem no terreno. Por isso é que, quando se falou na ativação de ajuda aos agricultores com esta questão da crise suscitada pela invasão da Rússia à Ucrânia, fomos claros e dissemos que devem ser auxiliados os agricultores, não apenas os que estão a ter esse impacto mais direto por via desta crise ucraniana, mas também os que estão a ser afetados pela seca. [caption id="attachment_244680" align="" width="664"]Isabel Carvalhais Avelino Lima[/caption]
DM: Os agricultores portugueses podem contar com a ajuda da UE em compensações que permitam a compra de rações para os animais? IEC: Podem e têm contado. Eu acho que o problema é a parte burocrática e administrativa, porque, desde o momento em que a Comissão Europeia anuncia que vai haver um determinado tipo de apoios, até ao momento, quase de imediato, o nosso Governo também o anuncia, até à concretização e chegada do dinheiro às mãos das pessoas, há um tempo que não tem que ver com vontade política. Não é com uma má intenção que isto acontece. Há uma cultura administrativa, que não é só portuguesa, começa em Bruxelas, e que leva a um demorar. Portanto, é natural que as pessoas, sobretudo quem já está com dificuldades no terreno, cada semana que passa parece-lhe um mês, parece-lhe um ano. Pela primeira vez, nós vimos aqui algo muito impactante, foi a ativação dos 500 milhões da reserva de crise, para acudir às necessidades imediatas dos agricultores. E várias medidas que foram sendo tomadas ao longo deste ano e até já no ano passado no contexto do Covid e desde 2020. Se me perguntam se essas medidas são suficientes, tanto as financeiras como as administrativas que emanam da Comissão Europeia, como a autorização para a utilização excecional dos pousios para a produção de forragens ou de outros alimentos, como forma de suprir as dificuldades, eu digo que não é suficiente. Eu acho é que tudo conjugado acaba por ser importante.
 
«Os grandes agricultores conseguem ter aconselhamento técnico integrado na sua empresa, [...] o pequeno agricultor não pode fazer isso, [...] ele tem que ter quem lhe forneça esse aconselhamento».
 
DM: Como é que se motivam agricultores habituados a práticas, que já vinham dos seus avós, a inovar e adotar práticas mais amigas do ambiente? IEC: Há aqui um aspeto importante nesta nova Política Agrícola Comum que vai entrar em ação em 2023 e que se prende com aquilo que nós chamamos de arquitetura verde. E nessa arquitetura verde há uma componente de condicionalidade ambiental, ou seja, de obrigatoriedade de cumprimento com determinados objetivos, determinadas medidas ambientais. Mas, não há apenas obrigações, depois também há incentivos. E aqui há uma figura nova. Não são apenas as medidas agro-ambientais, que já existiam e também são uma parte importante, mas há aqui também a figura dos eco-regimes, ou dos eco-esquemas, e que permite que o agricultor, de sua iniciativa, queira ir mais além naquilo que são os seus objetivos de sustentabilidade ambiental, como reconverter práticas que tem na sua quinta ou exploração, quando acha que há ali espaço para práticas agro-ecológicas muito melhores do que aquilo que tem feito. Ele pode, de facto, aqui ter um apoio financeiro, candidatando-se a esses eco-regimes e fazer essa aposta. Portanto, não há só obrigação, só condicionantes, há aqui também incentivos e estímulos. E o que eu acho que é muito importante é que depois os agricultores saibam que existem estes programas, que existem estas possibilidades de terem financiamento para fazerem novas apostas que os levem mais além nas suas ambições ambientais. Outro elemento muito importante, que é melhorado no contexto desta nova PAC e que nós, em vários dossiês, e mesmo neste que eu agora tenho do mundo rural dizemos que é importante, prende-se com o acesso ao aconselhamento técnico. Os grandes agricultores conseguem ter esse aconselhamento técnico integrado na sua empresa. Portanto, eles fazem desenvolvimento científico, laboratorial nas suas explorações, eles têm pessoal próprio da sua empresa que lhes permite cumprir com essas ambições de inovação, científica e tecnológica. O pequeno agricultor não pode fazer isso. Muitas vezes é ele, e só ele, a trabalhar a sua terra. Ou ele e mais dois ou três colaboradores. Portanto, ele não tem essa estrutura. Ele tem que ter quem lhe forneça esse aconselhamento. E é também fundamental conseguir-se que, aquilo que é o desenvolvimento nas nossas universidades se democratize. No fundo, que a difusão do conhecimento no mundo rural, no mundo agrícola, se dê com maior rapidez e de forma muito mais acessível às diferentes dimensões de agricultores.
DM: Esse é um trabalho que está por fazer. IEC: Vai sendo feito. Aqui eu gostava de sublinhar isso porque, não está tudo feito e não está tudo por fazer. Nós tendemos muito a colocar nas nossas conversas tudo em extremos. Não é assim. Também não podemos dizer que está tudo ótimo. Portanto, o que está a ser feito tem de ser valorizado e o que pode é ser potenciado. Portanto, este aconselhamento implica que haja mais recursos humanos nas estruturas do próprio Estado para fazer este aconselhamento. É preciso afinar, olear, ganhar escala nalgumas coisas que já estão em prática. Não podemos dizer que estejamos a começar da estaca zero. Aquilo que nós vemos em termos de desenvolvimento científico nas nossas universidades, muitas dessas aplicações estão já a ser utilizadas, umas em fase experimental, outras já em velocidade cruzeiro, naquilo que é a nossa agricultura nacional. Há muitas realidades, não podemos engavetar as coisas e reduzi-las ao muito bom ou ao muito mau. Há um grande matiz de realidades que estão em curso e aquilo que temos de fazer é potenciar as boas realidades do que nos interessa para o futuro. [caption id="attachment_244681" align="" width="664"]Isabel Carvalhais Avelino Lima[/caption] DM: Nestes três dias tiveram um encontro com a ministra da Agricultura. Que preocupações o Governo transmitiu aos eurodeputados?
IEC: Este encontro com a senhora ministra foi muito positivo, e foi sobretudo uma oportunidade para ela apresentar aos eurodeputados aquilo que é a proposta do Governo do plano estratégico nacional para a agricultura. Não houve propriamente uma discussão do seu conteúdo. Houve uma apresentação daquilo que é o programa e daquilo que são as intensões portuguesas e que foram bem acolhidas. DM: Olhando para o Minho, os eurodeputados que integraram esta missão voltam para Bruxelas com que impressão desta região? IEC: Aqui eu sou suspeita. Eu acho que eles levam uma impressão ótima. Estas missões não são passeios turísticos. DM: A pergunta é em relação ao trabalho. IEC: Ora bem! Em termos de trabalho, foi uma missão muito intensa. Tivemos que correr contra o tempo para que tudo corresse muito bem, porque elas são mesmo assim estas missões, temos muitas visitas a efetuar. Há sempre aqui um receio de excesso de tanto trabalho, de tantas visitas, de tantos projetos que quisemos apresentar, mas sempre com muita seriedade. Nesta parte do Minho eu quis muito que se passasse a mensagem de que nós temos projetos muito bons, mas as pessoas também têm dificuldades, para não irem daqui com a ideia de que é tudo um mar de rosas. Os ecos que me chegaram foram extremamente positivos e, no que toca ao Minho, ficaram impressionados com a riqueza da nossa paisagem, com a estima que nós ainda temos pela conservação dos nossos espaços rurais, as aldeias. Nós fizemos questão de referir, e eu referi isso muitas vezes, a importância dos apoios comunitários para estes pequenos projetos de requalificação dos bens materiais e imateriais.
DM: Que peso tem nas políticas europeias esta agricultura de pequena dimensão, quase de subsistência como esta a do Minho? IEC: Esta agricultura é muito importante em toda a Europa. Em boa verdade, mais de 80 por cento é feita de pequena agricultura e agricultura familiar. Portanto, não perceber a importância da pequena agricultura e da agricultura familiar seja em Portugal, seja no contexto europeu, é não perceber o que é a agricultura na Europa.
DM: Muitas vezes olhamos para as medidas da UE e parece que são dirigidas às grandes explorações. IEC: E é por isso que há uma luta constante no Parlamento Europeu que não é fácil. É uma luta que é de há anos e irá continuar porque nem todas as pessoas, incluindo as que estão no mundo rural, encaram da mesma maneira esta importância que eu estou a atribuir, e que muitos de nós atribuímos, à pequena agricultura e à agricultura familiar. Eu fiz questão de trazer as pessoas aqui ao Minho, ao minifúndio, porque muitas vezes eu sou confrontada com o discurso que o minifúndio não tem viabilidade económica, não é futuro, e o que nós temos que ter é a grande agicultura. E aquilo que eu estou sempre a dizer é que há espaço para diferentes dimensões da nossa agricultura. Claro que nós precisamos da agricultura que nos torne explortadores, nós precisamos de alimentar a Europa, a Europa precisa de se alimentar. Mas, também há espaço para a agricultura mais pequena, para a agricultura que serve os mercados locais. E há excelentes exemplos da viabilidade do minifúndio. Aquilo que muitas vezes as pessoas precisam para ganhar um pouco mais de escala são as organizações de produtores, são as cooperativas. Mas, o minifúndio tem vida, tem viabilidade económica. E, algo importante, que ficou claro nesta missão, o nosso minifúndio é uma forma de identidade cultural. Porque é que as pessoas não abdicam do seu minifúndio? Porque é a terra dos seus pais, dos seus avós. Portanto, há uma ligação, que não é apenas económica, mas emocional que tem de ser respeitada.
 
«Cada um de nós leva agora uma visão que nos acompanha depois nos dossiês em discussão».
  DM: A UE entende isso? IEC: Nós temos que fazer com que entenda. É essa a nossa luta também. Temos que fazer com que entenda que há múltiplas realidades. Uma das bandeiras que levamos é a diversidade de mundos rurais. Não há um mundo rural na Europa. E nessa diversidade de mundos rurais, a dimensão das terras não é apenas uma questão quantitativa, de metro quadrado, é uma questão de identidade, uma questão de relação das pessoas com a sua paisagem natural, com os seus espaços. E isso tem uma história ancestral e acompanha o que é a identidade das pessoas. DM: Não se arisca a ser uma voz no deserto perante os grandes metros quadrados da Europa. IEC: Eu nunca me preocupo se sou uma voz no deserto. O que interessa é ser uma voz. Uma voz persistente, tentar ser ouvida. Eu não sou uma voz no deserto até porque há outras pessoas. Eu até acredito que somos muitos. De facto, há muitos eurodeputados que também vêm destas realidades, desde Malta, Itália e Grécia.
DM: No final de uma missão como esta, o que é que os agricultores podem esperar? Ou seja, que resultados práticos poderão vir a colher? IEC: Eu tenho que ser muito franca e muito modesta, eu não vou dizer que vamos conseguir mudar o mundo. Mas, há aqui um resultado prático que me parece muito importante. Cada um de nós, e esse é dos objetivos destas missões. Leva agora uma visão que depois nos acompanha nos dossiês que estão em discussão, ou vão estar em discussão no Parlamento Europeu. Nós vamos ter agora uma grande discussão que é o regulamento do uso sustentável dos pesticidas. Portanto, é sempre importante quando estamos a fazer a discussão desses dossiês tenhamos presente estas difetentes realidades seja em Portugal, Espanha ou Itália. Há uma ligação mais profunda que se estabelece quando estamos no terreno. Tudo isto que foi visto aqui, estas dificuldades, esteja depois presente na mente de cada um de nós quando vai fazer a discussão destes dossiês, para que no final do dia não tenhamos regulamentos, legislação, atos políticos, como estratégias, pareceres, que parecem desligados daquilo que é a realidade das pessoas.

Autor: José Carlos Ferreira