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Da voracidade e da exaustão dos Impérios

Símbolos da autossuficiência, da razoabilidade, do medo e da exaustão. Podemos interpretar assim as grandes muralhas fronteiriças legadas para a história por grandes impérios. Retenhamos os dois exemplos mais conhecidos: a Grande Muralha da China, iniciada no séc. III a. C. para travar os temíveis mongóis a norte, que se estenderá por milhares de quilómetros, numa construção que só cessará no século XVII; a Muralha de Adriano, erigida no séc. II da nossa era para assinalar na Grã-Bretanha o limite do Império Romano face às tribos agressivas das terras a Norte, sensivelmente a atual Escócia. As grandes muralhas, para além do medo e da fadiga expansionista, denunciaram também alguma vontade de isolamento. E o isolamento, diminuindo as trocas culturais e a emulação internacional, induziu um potencial definhamento a prazo, fator que terá sido relevante, por exemplo, para o recuo do brilho chinês na transição da Idade Média para a Modernidade seguinte.

Impérios, da história retemos muitos, sendo que o da China sobressai hoje por manter uma configuração territorial pouco alterada desde a Antiguidade, ainda que político-militarmente tenha atravessado períodos de subserviência, como sucedeu face à Grã-Bretanha desde meados do século XIX até ao século XX adentro. São numerosos os impérios que não resistiram aos ventos da história ou que perderam claramente importância relativa (o do Egito Antigo, os da América pré-colombiana, o Persa, o Romano, o Otomano…).

Os impérios ultramarinos europeus finaram-se no século passado, subsistindo hoje, todavia, estados que assumem uma feição imperial, atenta a sua grande dimensão ou a sua projeção político-militar, sendo que esta última sobressai para a definição de grandes nações imperiais. Tomado deste modo o conceito, na atualidade distinguem-se como grandes estados imperiais os EUA, a China e a Rússia. E este último dá-nos agora a todos, particularmente a nós europeus centro-ocidentais, grandes dores de cabeça.

No decurso do último século, a Rússia definhou significativamente em termos territoriais e populacionais e, consequentemente, no seu potencial económico e geopolítico. Saiu diminuída do pós 1.ª Guerra Mundial, agora sob a designação de URSS (1922), designadamente sem a Polónia e territórios no báltico (a Finlândia, definitivamente, a Letónia, a Estónia e a Lituânia entre as duas Grandes Guerras). Mais recentemente, a antiga Rússia/URSS encolheu muito mediante a secessão de uma série de novas repúblicas em 1991.

Desde então, vários destes novos países europeus, como outros do lado oriental da extinta “cortina de ferro”, juntaram-se à NATO e/ou à UE. Despeitada pela perda da partilha da liderança (com os EUA) do mundo bipolar do 2.º pós-Guerra (o fim da URSS fora “a maior tragédia geopolítica do século XX”, na expressão de Putin, 25/04/2005), e proclamando-se sobretudo acossada pela expansão da NATO junto às suas fronteiras, a Rússia volta agora a ganhar um lugar muito destacado no mundo, mas não pelas melhores razões.

Das alterações geopolíticas conectadas com a invasão russa da agora dilacerada Ucrânia, resultou, sentimo-lo todos, uma emergente crise económica, com relevantes repercussões no Ocidente, e em particular na Europa (inflação, potencial estagnação ou recuo do PIB real, eventual escassez de gás natural), e no mundo subdesenvolvido, onde, ademais, a carência de bens alimentares é uma ameaça real. “Entre a paz e o ar condicionado” (Mário Draghi), a Europa, que procura boicotar ou enfraquecer a Rússia, tem optado, e bem, pela primeira. Dos patentes efeitos violentos da crise para os russos, haveremos de ter notícias mais consistentes.

O longínquo Império Romano sucumbiu às invasões bárbaras, ante massas humanas que pretendiam saciar-se nas suas riquezas. Já a ainda singularmente imensa Rússia de hoje, potencialmente à beira da exaustão, continua a irradiar temor e respeito, decorrente do seu enorme arsenal atómico, mas não exibe sedução ou riquezas que atraiam invasores. Assim mesmo, saudosista, a Rússia teima em redefinir a sua “grande muralha”.


Autor: Amadeu J. C. Sousa
DM

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1 julho 2022