Quando as propostas são sérias e não verbos de encher que servem o momento implementam-se logo ou, pelo menos, decidem-se em tempo oportuno para que a realidade aconteça o mais rápido possível. Não se deixam para os últimos momentos de um mandato as decisões que não serão levadas a bom porto e para voltarem a ser anunciadas para o período seguinte.
Talvez me repita um pouco, mas o assunto merece que o escalpelize um pouco mais, hoje com referência a palavras escritas de uma deputada socialista. Escreveu Isabel Moreira no Expresso de 17 de Junho que, e cito, “A lei das leis, que nos une, decidiu que o SNS é um serviço público obrigatório e irreversível. A maior conquista da democracia exige universalidade, isto é, que o SNS seja dirigido à generalidade dos cidadãos e das cidadãs […] O SNS existe, também, para que sejamos livres […] A medicina privada faz parte do sistema de saúde e tem um papel fundamental, nomeadamente, quando o Estado não consegue cumprir o seu papel”.
Sou apologista do SNS e não posso deixar de concordar. O que acontece é que a lei não pode ficar pela interpretação da letra e do espírito que encerra o texto legal. Exige acção e planeamento, coisas que têm falta aos governantes. E planeamento não é olhar para o presente ou criticar o passado; é olhar para o futuro com olhos decididos em resolver, efectivamente, os problemas; não é colocar um penso rápido para tapar a ferida que todos vêem, mas projectar a solução, com os recursos necessários, os tempos de execução e o controlo. Quem quer verdadeiramente uma coisa, não esquece o objectivo, persegue-o sem cessar e faz que aconteça; jamais o esquece. Ora, há muito que os problemas por que passa o SNS se fazem sentir e o desleixo tem sido brutal. Ainda antes da pandemia alguns estudos fizeram eco junto do Governo da falta de recursos do SNS; o problema só se tem agravado. Falta planeamento e decisões estratégicas; gere-se o sector à vista, reagindo sem agir, de resto, como em vários outros, igualmente sensíveis. A medicina privada vai ajudando a que alguns cidadãos se sintam livres, mas só alguns; a maioria está dependente de um SNS, que é de louvar, mas que não torna livres os que a ele recorrem; pelo menos completamente. Só seremos livres, como comunidade, quando a saúde for igual para todos. E os hospitais privados podem contribuir para esse desiderato, mas é preciso que o Governo decida, a tempo e horas, de uma forma estrutural, para que todos os cidadãos tenham os mesmos direitos perante a “lei das leis”.
Há três semanas atrás, cruzei-me com um casal de cidadãos portugueses aposentados, que trabalharam em França e continuam a viver em Marselha. Quando lhes perguntei se tinham intenção de voltar a Portugal, disseram-me logo que não, que havia uma limitação inultrapassável que era a saúde; que lá têm os cuidados de saúde de que precisam e a que têm direito e que em Portugal não teriam se regressassem à sua terra natal, a Valença do Minho. Um simples exemplo que desmorona o discurso de quem está satisfeito com o desenho do actual SNS.
Retomando o sentido das palavras da deputada socialista, por cá, os serviços privados de saúde têm tido um papel fundamental quando o SNS não consegue acompanhar as necessidades dos seus doentes, nomeadamente, na realização de análises e outros auxiliares de diagnóstico. Inquestionável. No entanto, em momentos como a pandemia que assolou o país, o governo decidiu, tarde e a más horas, o que devia estar definido há muito tempo, mesmo sem que houvesse uma catástrofe como a que aconteceu. É verdade, que outros governos existiram antes e não resolveram o problema, mas temos um, desde 2015, a quem não vimos vontade que se visse e sentisse para solucionar um direito dos portugueses que “a lei das leis” define. Não existem preconceitos ideológicos nem em relação ao SNS nem aos hospitais privados. Como disse na minha última crónica, “quando é urgente uma intervenção cirúrgica não faz sentido aplicar-se um penso rápido onde existe um mal”. O país ainda não é livre. Uma maioria absoluta deve servir para fazer as reformas que são incontronáveis.
Autor: Luís Martins