O texto e o contexto
1. Na passada quinta-feira celebrámos a solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo. Na Missa leu-se um texto de S. Paulo (I Coríntios 11, 23-26) considerado o mais antigo documento escrito sobre a instituição da Santíssima Eucaristia.
Previno que não sou biblista, mas, lido no seu contexto, o referido texto é a condenação de exageros cometidos a propósito da celebração da Santíssima Eucaristia.
2. Transcrevo-o, inserido no contexto:
«Quando, pois, vos reunis, não é a ceia do Senhor que comeis, pois cada um se apressa a tomar a sua própria ceia; e enquanto um passa fome, outro fica embriagado. Porventura não tendes casas para comer e beber? Ou desprezais a Igreja de Deus e quereis envergonhar aqueles que nada têm? Que vos direi? Hei-de louvar-vos? Nisto, não vos louvo.
Com efeito, eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que era entregue, tomou pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim». Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim. Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha.
Assim, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor».
3. Paulo quis corrigir desmandos existentes na forma como era celebrada a Ceia do Senhor.
«Aqueles cristãos (cito a Bíblia de Navarra) celebravam a Eucaristia junto com uma refeição em comum. Em princípio, essa refeição tinha que ser uma manifestação de caridade e unidade entre os assistentes – daí o nome de ágapes com que são designadas em algumas ocasiões -, mediante a qual se ajudavam, além disso, os mais pobres e necessitados. Não obstante, tinham-se introduzido abusos: em lugar de ser um banquete comum, comiam por grupos do que cada um levava para si, e enquanto alguns não tinham que comer, outros comiam e bebiam em excesso. Resultava assim um lamentável contraste entre aquela comida – motivo de descontentamento e divisões – e a Eucaristia, fonte de caridade e unidade».
4. Embora a Eucaristia tenha sido instituída durante uma ceia (Mateus 26, 26-29) cedo a Igreja entendeu introduzir o chamado jejum eucarística. A princípio muito rigoroso – não comer nem beber desde a meia noite até ao momento da comunhão -, hoje muito suavizado.
«Quem vai receber a santíssima Eucaristia, abstenha-se, pelo espaço de ao menos uma hora antes da sagrada comunhão, de qualquer comida ou bebida, exceto água ou remédios» (Cânone 919).
5. Recomenda-se, e bem, a prática da comunhão frequente (Catecismo da Igreja Católica, 1389).
É bom que os cristãos comunguem, mas não de qualquer maneira. A começar pelo vestuário com que se apresentam. Coerentemente, como pode comungar quem tem o coração manchado por sentimentos de ódio, de vingança, da prática de atos de injustiça ou de violência, por exemplo? Quem o faz unicamente com a intenção de se fazer passar por boa pessoa?
6. A receção da comunhão pode exigir, antes, uma passagem pelo confessionário, que não deve ser uma câmara de tortura (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 44).
A Eucaristia “não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Idem, 47). Todavia, que o remédio e o alimento se tomem de forma adequada.
7. Os exageros denunciados por S. Paulo levam-me a pensar em festas de batizado, primeira comunhão, profissão de fé, casamento. Para que os pobres se não sintam humilhados, nem haja famílias a irem além das possibilidades, não será de aconselhar moderação a todos?