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A crise no SNS

Todos sabemos – e não precisamos de ser profissionais de saúde – que quando é urgente uma intervenção cirúrgica não faz sentido aplicar-se um penso rápido onde existe um mal. No entanto, isso aconteceu inúmeras vezes desde que António Costa e o Partido Socialista chegaram ao poder no final de 2015. Instado a fazer reformas estruturais, Costa roeu sempre a corda, mesmo quando contou com a disponibilidade do maior partido da oposição. Preferiu sempre o mais fácil, o que exigia menos incómodo. Não raro, ficava-se pelo anúncio, como se isso fosse suficiente. E o seu terceiro governo continua a utilizar o mesmo expediente em vários domínios, uma prática reiterada que condiciona o futuro. E em concreto, nos últimos dias tem vindo à tona, com maior evidência, a fragilidade do edifício da saúde. Questiona-se se a ministra Marta Temido não terá chegado a um ponto de não retorno no que toca à incompatibilidade com os profissionais de saúde que, sem a pressão da pandemia, mostram que os problemas no Sistema Nacional de Saúde (SNS) são reais, de facto, de forma estrutural, e não são pontuais e circunstanciais como a responsável pelo sector defende. Não se pode mais iludir que há cada vez mais cirurgias e consultas adiadas, apesar do pico da pandemia ter ficado para trás, e demissões em bloco em vários hospitais do país, com o fundamento de falta de meios para trabalhar e dos que existem não sentirem respeito por parte da tutela. Palavras leva-as o vento e o que importa, depois de experimentarem a sucessiva falta de respostas, é que se resolvam os problemas de uma forma capaz e definitiva. O encerramento de várias urgências obstétricas são a manifestação de uma situação que não é nova nem superficial, mas reincidente e profunda. A tutela e o governo em geral têm sido a todo o tempo displicentes, usando o anúncio de medidas como se a solução dos problemas se ficasse pelo discurso. Um truque repetidamente utilizado que não está já a pegar junto da opinião pública. Faltam recursos humanos no SNS, e isso é admitido pelo governo, sendo que não é necessário recrutá-los no exterior, como defendem as ordens dos médicos e dos enfermeiros. Tais recursos existem no país e estão disponíveis a integrar os respectivos quadros desde que se criem condições. As Finanças já anunciaram que não há falta de dinheiro e assim sendo não se compreende por que não se resolvem os constrangimentos constatados. Recrutar tarefeiros, está dito e redito, não é solução, e há hoje mais cidadãos sem médico de família do que antes da pandemia. Quer-me parecer que a maioria absoluta está a adormecer quem governa, sobretudo, porque os responsáveis não estão propriamente a iniciar funções e já acusavam desgaste antes de tomar posse há três meses atrás. Na verdade, já se esperava. A maioria absoluta do Partido Socialista está a pôr a nu a fragilidade de António Costa e do seu modelo de governação. A sua omnipresença está a dar nota, cada vez mais, do que já se sabia antes, do seu cansaço pela gestão dos dossiers do país.

Faz espécie que um partido, como o PS, que se regozija da autoria da criação do SNS – e honra seja dada a quem o delineou –, não esteja a protegê-lo com apego e dedicação bastantes, estando a deixar que o mesmo fique dependente, cada vez mais, de hospitais e de prestadores de serviços privados. É evidente a contradição entre o discurso e a prática. E mesmo que se possa dizer que a situação é provisória, que se trata de um penso rápido colocado só enquanto se prepara o bloco, não se pode esquecer que esta solução pode esconder a doença grave de que enferma o sistema, podendo levá-lo à morte no intervalo que separa o diagnóstico da intervenção cirúrgica. A maior conquista da revolução de Abril, depois da liberdade, que foi o SNS, está a ser negligenciada, designadamente, porque os responsáveis do Executivo estão a ser incapazes de antecipar necessidades, aqui como noutros sectores, seja por desleixo, preguiça ou intenção deliberada em beneficiar interesses privados.


Autor: Luís Martins
DM

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21 junho 2022