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Apanhados 27

Reza assim a inscrição apensa à parede norte do edifício McDonald's, sito na Avenida Central da nossa augusta cidade: Estrutura para contenção de água do período Alto Medieval (em estudo) – Gabinete de Arqueologia – CMB (Câmara Municipal de Braga) e Unidade de Arqueologia da UM (Universidade do Minho).

Ora, para quem não sabe ou já se esqueceu, isto acontece no primitivo edifício onde funcionou o café Avenida de saudosa memória para os seus apaniguados; e, porque já lá não está há uma caterva de anos, obviamente, aquando das obras de restauro ali efetuadas para instalação do McDonald's, foram descobertos os acima referidos vestígios, cuja inscrição explicativa, porque se encontra bastante danificada pelo tempo, dificulta a sua escorreita leitura.

Pois bem, há tempos e em época de avalanche turística na nossa cidade, intrigou-me a postura de um casal de turistas que presumi estrangeiros, mapa em punho à cata do poço ou seja de referida Estrutura que serviria para contenção e reserva de água: ele, rabo ao alto, qual muçulmano em fervoroso momento de oração virado para Meca e ela, em pé, a seu lado, a dar-lhe umas dicas de orientação que retirava de uma pagela explicativa; agora, se ela, com a sua arrojada minissaia se dispõe como o companheiro a espreitar o buraco, ainda tínhamos ali televisão de borla, mesmo que a preto e branco.

Então, após aturado jogo de espreita-que-espreita, os pacientes e sofredores turistas desistem, com cara de poucos amigos, da infrutífera pesquisa arqueológica; e fácil é adivinhar o calibre dos resmungos e impropérios que vão proferindo nos gestos e trejeitos que para o ar debitam, como dos consequentes espaventos que dos ocasionais passantes vão surgindo se pode inferir tamanha desilusão de quem gosta de bem receber e servir.

Deixei-os perder de vista e dirigi-me ao local à cata de uma explicação para tamanho desfastio e desencanto, mormente numa cidade tão rica e pródiga em vestígios deste jaez; e, afinal, o que vejo é de uma simplicidade académica: a tampa de vidro, plástico ou acrílico, não sei, que tapa a boca do poço tem tanto lixo e está tão danificada que não dá para enxergar patavina, nem que fora com o tal canudo de ver Braga.

E é pena que assim seja, pois se queremos um turismo de qualidade e apetecida procura, não é deste jeito que o vamos conseguir; e muito menos os turistas que já são mais do que muitos a procurar a nossa bimilenar cidade merecem, assim, ser defraudados nas suas expectativas, sejam arqueológicas e culturais, sejam ambientais e culinárias.

Por isso, é mais do que urgente que o pelouro da Câmara Municipal que tutela estes assuntos mande avançar para o local a brigada da lixívia e do escovilhão para fazer a necessária barrela ao vidro que tapa a boca do referido poço; ademais, o que é bom é para se ver e não nos podemos dar ao luxo de esconder tal preciosidade a quem nos visita, se de facto ela existe ou, porque em tal abandono, até nos leva a pensar que, afinal, não passa de um engana meninos ou, no caso, turistas.

Todavia, se a descoberta foi interrompida por desinteressante ou inábil, mande-se desmantelar a Estrutura a bem do bom e sério turismo; o que não me parece viável é a coisa acontecer deste jeito, porque, à boa maneira portuguesa de muita coisa se começar com ânimo e valentia para, por obra e graça de quem a seguir lhe toma o rumo tudo deixar ficar para as calendas gregas ou em águas de bacalhau, nos tempos que correm não enchem barriga a ninguém, muito menos quando em causa está a cativação de turismo e turistas.

Agora, se algum mirone ainda vive na esperança de que as turistas de minissaia e rabo ao alto lhe tirem o retrato, desiludam-se porque elas, hoje em dia, sabem muito bem do que a casa portuguesa gasta; e, pior ainda, de rabo ao alto e fronte virada para Meca, em oração, não me consta que obra seja de mulheres, nem mesmo em época de badalada igualdade que não chega aos mundos onde elas usam burca.

Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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8 junho 2022