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Um novo modo de exercer a liderança

Nathalie Becquart, religiosa e teóloga, foi nomeada há cerca de dois meses sub-secretária do Sínodo dos Bispos. Nessa condição, passou a ser a primeira mulher com direito de voto na assembleia sinodal. É, por isso, ainda mais relevante o artigo que publicou recentemente na revista La Rivista del clero italiano intitulado “A sinodalidade, um caminho de conversão comunitária”. A sua reflexão apresenta e aprofunda as qualidades humanas e espirituais necessárias à realização deste acto comunitário. No seu entendimento, a sinodalidade é, antes de mais, um processo de escuta que supera as meras práticas regulamentadas e as estruturas formais. Estas são as principais ideias presentes no seu artigo. Não há conclusões pré-estabelecidas. Aquilo que caracteriza o caminho sinodal é o papel que o Espírito Santo desempenha na criação de tempos e espaços para a mudança e novas oportunidades. Não é, assim, compatível com decisões ou conclusões pré-estabelecidas, dado que seriam contrárias à própria natureza do discernimento. Discernir é o processo de escuta comunitária – dos outros e do Outro – tendo em vista processos de conversão pessoal e pastoral que produzam comunhão missionária ao serviço da Humanidade. É um processo espiritual feito no tempo, que requer tempo e um estilo próprio de ser. Trindade como modelo. Nathalie reconhece que a sinodalidade se tornou um conceito da moda. É utilizado em diversas circunstâncias e instâncias de modo incorrecto e sem plena noção do seu significado. Normalmente apresenta-se a sinodalidade segundo a etimologia grega de sínodo (sun-odos, caminho conjunto), dizendo que se percorre um caminho conjunto de escuta do Espírito. Mas, sinodalidade, no seu equivalente latino concilium, designa também uma assembleia de bispos. Na Igreja antiga foram organizados diversos sínodos e concílios locais para permitir aos bispos discernir e discutir as decisões a tomar, sobretudo em contexto de controvérsias e heresias. Estaríamos, neste sentido, próximos de uma liderança sinodal ou, dito de outro modo, colegial. Outro ponto essencial da reflexão de Nathalie Becquart é que a sinodalidade, a par de vários processos em curso na Igreja, implica uma mudança de cultura e mentalidade. Refere-se a um estilo eclesial corporativo e anónimo. Algo como “a Igreja pensa que...”. Mas quem é a Igreja? Quem efectivamente pensou aquilo que é afirmado? Quem participou nesse processo e com que grau de influência? Propõe, assim, a passagem do “eu” ao “nós”, mas “um «nós» que integra uma abordagem inclusiva do «eu» singular”. É um nós no qual todo o eu é actor. E, chegados aqui, creio ter-se atingido o ponto mais relevante da reflexão de Nathalie. Na sua opinião, não é possível uma nova visão da sinodalidade sem repensar a fundo os processos e estilos de liderança. A Igreja católica está estruturalmente assente num princípio hierárquico e requer, como é natural, um serviço de presidência. Se à partida tal princípio não parece constituir um problema, quando é mal exercido pode, na prática, transformar-se num obstáculo à acção do Espírito. É o eterno dilema dos conselhos que assessoram os pastores e que, por natureza, são consultivos. Sendo apenas consultivos, a sua capacidade de construir uma decisão colegial está limitada à disponibilidade e aceitação do pastor. Por outro lado, a assembleia não é um parlamento. Ainda assim, não se deve esquecer a possibilidade, conferida pelo Código de Direito Canónico, de conceder “poder deliberativo” à assembleia sinodal. Propõe Nathalie uma “liderança colaborativa” que não seja vertical e clerical, mas antes horizontal e colaborativa. Isto exige uma nova forma de relação com o poder e de exercitar a autoridade, agora concebidas como um serviço da liberdade. Compete ao líder presidir, acompanhar o discernimento, integrar as forças vivas e criar uma força libertadora. Pelo contrário, exercitar a imposição da vontade, ainda que legitimada pelos poderes conferidos, seria uma traição ao espírito do discernimento e sinodalidade. Tem, por isso, razão Nathalie, à imagem de Francisco, quando afirma que o discernimento é uma arte que implica antes de mais uma conversão pessoal.
Autor: Pe. Tiago Freitas
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13 julho 2021