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Covid-19: Trabalhadores transfronteiriços “arriscam a vida” sem fronteira em Ponte da Barca

Covid-19: Trabalhadores transfronteiriços “arriscam a vida” sem fronteira em Ponte da Barca
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Publicado em 12 de fevereiro de 2021, às 14:38

"Os quatro camiões que temos estão parados porque não dá. Passamos de 80 quilómetros por dia, a ter de percorrer para quase 500 quilómetros. A nossa única alternativa para chegar a Espanha é ir pela fronteira de Valença ou ir por Chaves. Gastamos três hor

Manuel Araújo é empresário em Ponte da Barca e nunca pensou que os caminhos outrora percorridos para o contrabando entre Portugal e Espanha fossem hoje a única solução dos trabalhadores transfronteiriços que "arriscam a vida para ganhar o sustento". "Na terça-feira, um colega de trabalho caiu a um ribeiro e se não fossem os colegas o homem afogava-se. O Governo tem de ouvir estas coisas, porque se cai ao ribeiro e se não são os colegas a botar-lhe a mão, porque o rio ia muito cheio por causa da chuva, não sei se se safava", afirmou hoje à agência Lusa o empresário, de 57 anos, da freguesia de Lavradas, Ponte da Barca, distrito de Viana do Castelo. No Alto Minho, o atravessamento da fronteira durante 24 horas apenas está autorizado na ponte nova de Valença. Há também em Monção um ponto de passagem que está disponível nos dias úteis, das 07:00 às 09:00 e das 18:00 às 20:00. Manuel Araújo disse ser o "desespero" que leva as pessoas a "arriscarem a vida todos os dias" face ao encerramento da fronteira da Madalena. "Eu conheço a maior parte da gente que passa pelo monte. É tudo gente pobre. Pais de filhos, vivem mal e andam pelo meio do monte. Cai, morre um homem, como o caso da semana passada, que tem filhos na escola e quem vai trabalhar para essas crianças depois? Vai ser a mulher que trabalha no campo?", questionou. O empresário do setor da madeira justificou a travessia pelos montes que ligam as duas regiões transfronteiriças alegando que "a declaração de trabalhador transfronteiriço não vale de nada se as pessoas passarem a pé”. “Serve para passar em Valença, mas não serve para passar a pé. Não deixam. Está a GNR a controlar", sublinha. Segundo Manuel Araújo, em março, aquando da primeira reposição de fronteiras entre os dois países, as autoridades "deixavam passar a pé, mas agora não". "O ano passado tínhamos a declaração e passávamos. Éramos controlados, às vezes, pela Guardia Civil, em Espanha, e não tínhamos problema nenhum. Este ano, já fomos controlados pela Guardia Civil. Na semana passada já me ficaram com os dados e se torno a ser apanhado vou ter de responder", explicou o empresário. No entanto, adiantou que "alguns empregados continuam a arriscar, como há 50 anos, pelo monte como contrabandistas". "Deixam o carro do outro lado da fronteira e passam o monte como antigamente os contrabandistas passavam. Nós também já arriscámos algumas vezes, mas tenho receio. Tenho um problema numa perna, e se caio? Ponho em risco a vida. Antigamente, os carreiros estavam limpinhos, agora é à sorte", acrescentou. Além dos riscos, Manuel Araújo alertou para os custos de tempo e dinheiro que a empresa que detém há 22 anos está a enfrentar com o encerramento da fronteira da Madalena, que fica agora "isolada” e “sem alternativas" de passagem para a Galiza. "Os quatro camiões que temos estão parados porque não dá. Passamos de 80 quilómetros por dia, a ter de percorrer para quase 500 quilómetros. A nossa única alternativa para chegar a Espanha é ir pela fronteira de Valença ou ir por Chaves. Gastamos três horas e meia para fazer esse percurso porque paramos uma hora na fronteira de Valença, por causa do controlo. São sete horas por dia que andamos nos camiões e somos quatro equipas, de 20 trabalhadores, a fazer esse trajeto todo", explicou. Com o transporte parado, a sociedade que tem com os filhos "está a trabalhar apenas no corte da madeira nos montes". "Trabalho em Espanha há 20 anos. Compro 80% da madeira em Espanha. A maior parte desta madeira vai para a Europac, em Viana do Castelo, para fazer papel, outra para a construção civil, e outros setores”, referiu, considerando que a solução passa pela abertura parcial da fronteira da Madalena, no Lindoso. Na semana passada, o presidente da Câmara de Ponte da Barca, Augusto Marinho (PSD), exigiu ao Governo a abertura parcial da fronteira da Madalena, por ser "única porta de entrada" do Alto Minho à província de Ourense, na Galiza. "Não podemos aceitar esta situação por não ser justa. Não estamos a reivindicar a abertura da fronteira da Madalena por ser mais confortável, mas por ser uma necessidade importantíssima por falta de alternativa", afirmou, na altura, Augusto Marinho. Em março de 2020, durante o primeiro confinamento geral, com a reposição do controlo de fronteiras entre Portugal e Espanha, o único ponto de passagem autorizado para trabalhadores transfronteiriços e transporte de mercadorias, era a ponte nova, uma das duas que ligam Valença e Tui, mas após protestos dos autarcas dos dois lados do rio Minho, Portugal e Espanha acordaram a abertura das pontes que ligam o concelho de Melgaço a Arbo, Monção a Salvaterra do Miño, e Vila Nova de Cerveira a Tomiño, sendo que a fronteira da Madalena só reabriu a 01 de julho. A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.368.493 mortos no mundo, resultantes de mais de 107,7 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP. Em Portugal, morreram 14.885 pessoas dos 778.369 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde. A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
Autor: Redação