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Presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes revela que vai ser lançado segmento topo de gama.

Luísa Teresa Ribeiro
2 Fev 2021

Os Vinhos Verdes apostam em aumentar as exportações e num segmento topo de gama que dê visibilidade aos melhores vinhos da região. Os principais objetivos para este ano são traçados pelo presidente da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes. Em entrevista ao Diário do Minho, Manuel Pinheiro revela que foi escrita uma carta à ministra da Agricultura a pedir mais apoios para o setor.

Diário do Minho (DM) – No início da pandemia houve o receio de perdas muito significativas para os Vinhos Verde, no entanto o setor mostrou-se batalhador. Chegámos ao fim do ano com que ponto da situação?

Manuel Pinheiro (MP) – O ano foi menos penalizante do que pensávamos. As vendas de Vinho Verde subiram 5,3 por cento em relação ao ano anterior. Importa dizer, porém, que é um ano extremamente desigual, e esta é a grande marca de 2020 em termos comerciais. Este aumento refere-se sobretudo aos produtores que estão na exportação e nos supermercados, enquanto os produtores mais pequenos tiveram um ano dramático porque estavam mais dependentes da restauração nacional e até nalguns casos da restauração de maior valor nos mercados externos. Portanto, o seu negócio desapareceu.

A marca de 2020, em termos comerciais, foi a de ser um ano com grande disparidade de resultados, até mais do que os números globais, porque estes não dão a imagem completa do que se passou.

DM – Este aumento de vendas traduziu-se em termos monetários?

MP – Este aumento de vendas foi acompanhado de uma baixa do preço médio. Por um lado, venderam-se mais vinhos de supermercado e menos de restaurantes, onde estão os vinhos de maior valor. Mesmo nos supermercados, as pessoas têm uma especial contenção nas despesas.

DM – Num cômputo geral, o resultado é sensivelmente o mesmo?

MP – Estaremos muito próximos do ano passado. Apesar de em termos de faturação não estarmos abaixo do ano passado, claramente há produtores que perderam mais de metade do seu negócio, lado a lado com outros que cresceram.

DM – As exportações desempenharam um papel importante para o volume de vendas?

MP – As exportações foram uma surpresa. Aumentámos cerca de 8 por cento as exportações. Atribuímos este aumento à diversidade de mercados, uma vez que houve países com confinamentos muito fortes e outros com medidas menos restritivas. Todos os anos o Vinho Verde ia tendo mais importadores, pelo que já havia uma dinâmica de crescimento que nos ajudou a conseguir um ano razoável.

DM – O que é que se pode esperar de 2021?

MP – Estamos num tempo em que todas as previsões falham, por mais dados que tenhamos. É um ano em que, mais uma vez, as marcas de maior valor sofrem muito pela queda da restauração. Os restaurantes são o braço armado dos vinhos, e estão a passar dias dificílimos.

Os produtores estão-se a virar para as vendas à distância, para os supermercados, para a exportação para os mercados que estão mais abertos, e há mercados muito abertos, como por exemplo os EUA e o Brasil, que praticamente não baixaram nas suas compras.

Se é verdade que o Vinho Verde sofreu menos do que outras regiões, porque já exportava metade do seu volume de negócios, então a crise de 2020 tem que nos incentivar para exportarmos ainda mais, para nos virarmos cada vez mais para mercados alternativos. A seguir vem uma crise económica em Portugal e nós temos de lhe responder fazendo mais e melhores produtos, mas também tendo mercados alternativos.

Promoção leva Vinhos Verdes a vários pontos do mundo

DM – A Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes sempre apoiou a promoção externa. Essa aposta vai continuar em 2021?

MP – O nosso plano de investimento deste ano para a promoção em todos os mercados, incluindo Portugal, orçado em cerca de 2,7 milhões de euros, foi preparado para que as ações físicas só ocorram no segundo semestre.

Como foi anulada a maior feira mundial de vinhos, em Dusseldorf, vamos ter um stand muito grande em junho, em Paris, na Vinexpo Paris, que promete ser uma alternativa à feira alemã. É a primeira vez que participamos neste evento e vamos marcar presença em força.

Paralelamente, estamos a fazer muito investimento nas redes sociais em vários países. Estamos também a trabalhar com o Ministério dos Negócios Estrangeiros para encontrar formas de enviar amostras. Dado o cancelamento de voos, tornou-se muito difícil enviar amostras, pelo que estamos a encontrar soluções alternativas.

DM – Em que países vão investir?

MP – Vamos investir mais no mercado mexicano, onde só tínhamos feito uns investimentos muito pequenos. Agora vamos investir mais, apresentando lá os vinhos, mas também trazendo cá convidados.

Estaremos fortes nos EUA, onde temos uma agência local, que foi adjudicada há dias. Esse é o nosso mercado número um, onde vamos fazer um investimento grande, levando lá produtores, fazendo jantares vínicos em Nova Iorque e trazendo cá importadores e jornalistas.

No Brasil já fizemos em 2020 a iniciativa “Vinho Verde Wine Experience” no Rio de Janeiro e em S. Paulo, que vamos repetir este ano, desta feita com a presença dos nossos produtores.

Também vamos ter ações no Japão e na Alemanha, como já tivemos em 2020. Esperamos retomar a partir do segundo semestre de 2021 a atividade normal de promoção.

DM – A nova presidência dos EUA poderá melhorar as condições para a exportação dos Vinhos Verdes?

MP – Em janeiro de 2020 chegámos a ter encomendas antecipadas de grande quantidade porque se temia que os vinhos portugueses fossem taxados, o que não veio a acontecer, tendo as taxas sido aplicadas aos vinhos franceses e italianos. Uma aproximação EUA-Europa é muito importante na abertura dos mercados para podermos enviar os nossos vinhos. Não nos agrada nada ganhar posições só porque os nossos colegas franceses as perdem. Isso significa que amanhã poderíamos ser nós a perdê-las pelo mesmo motivo.

Região vai lançar novo segmento para vinhos topo de gama

DM – A Região dos Vinhos Verdes tem apostado na qualidade.

MP – A última vindima correu muito bem, tivemos ótimas uvas. É um ano em que temos bons vinhos e, portanto, não paramos com a nossa estratégia para a sua valorização.

Esperamos no segundo semestre apresentar um novo segmento de Vinhos Verdes. É um trabalho que temos vindo a fazer ao longo dos últimos meses com um consultor inglês, a Wine Intelligence. Vamos terminar em março o processo de criar um novo segmento para os Vinhos Verdes de maior valor, que vão ter um nome próprio. Este segmento de maior valor vai ser uma ferramenta para passarmos a promover vinhos de casta, com um ano de colheita, mais interessantes e que vão estar lado a lado com os melhores Vinhos Verdes, como sejam os de Monção e Melgaço ou do Vale do Lima.

DM – Esta aposta corresponde, então, ao esforço de qualidade que a região tem feito, com os vinhos a afirmarem-se com potencial de guarda e envelhecimento?

MP – Isso torna-se possível porque tem havido um investimento na reconversão da vinha. A região tem cerca de 15 mil hectares, dos quais aproximadamente metade são de vinha nova, plantada na última década, com o apoio do VITIS, um programa comunitário que financia a reconversão de vinhas. Estas vinhas novas dão-nos matéria-prima de grande qualidade, uvas típicas da região, como o Loureiro, o Alvarinho e o Avesso, que nos permite fazer vinho de maior complexidade, de maior riqueza e apresentar um segmento de maior valor.

DM – Este segmento vai agrupar vinhos de toda a região? O critério de inclusão será a qualidade e não a sub-região onde são produzidos?

MP – É exatamente isso. A oferta da Região dos Vinhos Verde passa a ter como base o Vinho Verde que todos conhecemos, e que de facto é fantástico, e depois acima desse, ou as sub-regiões, que expressam vinhos diferentes, ligados ao território, ou então este novo segmento que vai ser anunciado e que está aberto a produtores de toda a região demarcada. O padrão de escolha é a qualidade do vinho e não a sua origem, que pode ser qualquer ponto dentro da Região dos Vinhos Verdes.

DM – Que iniciativas têm calendarizadas?

MP – Em 2020, no mercado nacional, promovemos a iniciativa “Monção e Melgaço – The Web Experience”, um evento que correu muito bem e que nos ensinou imenso sobre as provas de vinhos através da Internet. Assim, nos dias 13 e 14 de fevereiro, vamos ter a “Vinho Verde Web Experience”, que já está praticamente cheia, que será a oportunidade para centenas de pessoas provarem Vinho Verde, durante um fim de semana, em suas casas. Nós enviamos as amostras e à hora certa as pessoas entram online e fazem a sua prova.

As provas de vinho através da Internet estão-se a transformar numa alternativa interessante, que nos permitem fazer chegar a mensagem e manter as pessoas em contacto. Praticamente todos os dias há provas de vinhos portugueses em vários pontos do mundo a partir de amostras que nós enviamos.

Paralelamente, está a decorrer até março um programa de formação da Academia do Vinho Verde, que está a ser um sucesso, com 15 seminários gratuitos para produtores, não só na área de técnica de viticultura e enologia, mas também de marketing, comunicação online e gestão.

DM – Está previsto um encontro de sommeliers internacionais?

MP – Vai ser “Sommeet”, que esperamos poder realizar em abril. Esta iniciativa tem a ver com a estratégia de valorização do Vinho Verde e do novo segmento, trazendo grandes sommeliers internacionais para provarem os nossos vinhos. O objetivo é trazer a Portugal pessoas que conheçam o Vinho Verde tradicional, mas ainda não saibam dos novos Vinhos Verdes que há. A região produz vinhos muito melhores do que aqueles que conhecemos.

DM – A nível nacional, vai continuar a aposta no enoturismo e na dinamização dos territórios?

Aquilo que era a promoção no mercado nacional exclusivamente do Vinho Verde passará também pelo enoturismo e, numa fase seguinte, ainda este ano, passará pela sustentabilidade. A Região dos Vinhos Verdes será vista de uma forma mais global, não apenas como produtora de vinho, mas como vinho, turismo
e ambiente.

DM – Os rosés são um fenómeno na região?

MP – São um fenómeno muito interessante. Até aos anos 70, a Região dos Vinhos Verdes vendia sobretudo vinhos tintos. Passou, depois, a vender sobretudo vinhos brancos. Hoje, os rosés já ultrapassaram o tinto. São um segmento que está a crescer muito bem. O grande desafio para o futuro é procurar aumentar os preços médios – os rosés ainda não têm o valor que queremos – e identificar quais as melhores castas para fazer mais plantações nos próximos anos.

Carta pede ao Governo reforço das medidas de apoio ao setor

DM – Como é que o setor vê as limitações à venda de vinho no âmbito das medidas de combate à pandemia?

MP – Acabou por se reforçar o peso das grandes superfícies no negócio, em detrimento dos pequenos produtores e distribuidores. As grandes superfícies representam hoje mais de 90 por cento da venda de vinho em Portugal. No período de confinamento representam 100 por cento. A situação de muitas garrafeiras e de muitos produtores que dependiam do mercado dos restaurantes é muito preocupante. Ansiamos pelo momento de reabertura das garrafeiras, que são pontos de venda de um bem alimentar que é o vinho.

A situação de muitos produtores que dependiam do mercado dos restaurantes é preocupante.

DM – Como se está a viver o confinamento, tendo em conta que a vinha não para?

MP – A região tem 15 mil agricultores, que nestas semanas estão a podar, mesmo com frio e chuva. Os trabalhadores do campo não podem ir para lay-off. Os agricultores continuam a ter custos, mesmo sem saber se vão vender os seus vinhos ou não. Dirigimos há alguns dias uma carta à ministra da Agricultura a alertar precisamente para isso e para a necessidade de o Governo reforçar as medidas de apoio ao setor. O Instituto da Vinha e do Vinho tem em resultados transitados e que estão depositados mais de 10 milhões de euros. Essa verba pode e deve ser disponibilizada ao setor para, através das regras que o Estado determinar, apoiar os produtores e sobretudo os que mais perderam.

DM – Que tipo de incentivos é que defendem?

MP – Propusemos que fosse feito um subsídio à armazenagem de vinho, ou seja, que os produtores recebessem um apoio pelo vinho que têm parado em stock sem o conseguirem vender, que fosse proporcional também às perdas de vendas que tiveram no ano passado. Assim poderíamos permitir que os produtores tivessem o vinho parado, mas a sua tesouraria conseguisse suportar mais alguns meses.

Outra proposta que apresentámos é que haja algum fundo de tesouraria – e pode-se ir buscar essa verba a esses 10 milhões de euros – que permita às adegas cooperativas pagarem as uvas da última vindima. Se as garrafas não se vendem também não se paga ao produtor. Há muita uva que ainda está por pagar ao agricultor. Na nossa região esta questão é muito importante. São 100 mil toneladas de uvas, a uma média de 40 cêntimos por quilo. É preciso fazer chegar estas verbas aos produtores porque elas são importantes para as comunidades locais.

Os restantes apoios são os que o Estado já implementou no primeiro confinamento.

DM – Ainda sobrou dinheiro na medida de apoio à destilação. Ninguém quer destruir o vinho?

MP – A medida de armazenagem é muito mais interessante. A medida de apoio à destilação também não era particularmente fácil. O stock está perfeitamente normal, não há um mar de vinho. O problema é que o mercado parou durante alguns meses. É preciso sobretudo tesouraria, mais do que retirar vinho do mercado.

Casa do Vinho Verde vai ser transformada em centro turístico

DM – Que investimento vai ser feito na Casa do Vinho Verde, no Porto?

MP – As obras no palacete do século XIX, mandado construir pelo conde Silva Monteiro, já foram aprovadas pela Câmara Municipal do Porto. Estamos a fazer o projeto de especialidades e esperamos iniciar as obras no fim do ano ou no início de 2022. Trata-se de transformar a Casa do Vinho Verde num centro turístico, com a movimentação dos serviços que estão na casa principal para a casa lateral e com o jardim a passar a ser um “wine bar” jardim sobre o rio Douro, no qual se poderão provar os vinhos de toda a região. Esperamos que quando os turistas voltarem a Portugal, no próximo ano, a casa já esteja em condições para os receber.




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