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Gramática do cuidado

1. Celebra-se em 01 de janeiro o 54.º Dia Mundial da Paz. O Papa Francisco propõe como tema «A cultura do cuidado como percurso de paz». Salienta a necessidade e a importância de cuidarmos uns dos outros e da criação, a fim de se construir uma sociedade alicerçada em relações de fraternidade. Uma sociedade empenhada em erradicar a cultura da indiferença, do descarte e do conflito.   2. A certa altura da mensagem o Papa refere a «Gramática do cuidado». Resume-a em quatro pontos, que depois desenvolve: a promoção da dignidade de toda a pessoa humana; a solidariedade com os pobres e indefesos; a solicitude pelo bem comum; a salvaguarda da criação. a) O conceito de pessoa, que surgiu e amadureceu no cristianismo, ajuda a promover um desenvolvimento plenamente humano, escreve. Porque a pessoa exige sempre a relação e não o individualismo, afirma a inclusão e não a exclusão, a dignidade singular, inviolável e não a exploração. Toda a pessoa humana é fim em si mesma, e nunca um mero instrumento a ser avaliado apenas pela sua utilidade: foi criada para viver em conjunto na família, na comunidade, na sociedade, onde todos os membros são iguais em dignidade. E desta dignidade derivam os direitos humanos, bem como os deveres, que recordam, por exemplo, a responsabilidade de acolher e socorrer os pobres, os doentes, os marginalizados, o nosso próximo, vizinho ou distante no espaço e no tempo. b) Cada aspeto da vida social, política e económica encontra a sua realização, quando se coloca ao serviço do bem comum, isto é, do conjunto das condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição. Por conseguinte, os nossos projetos e esforços devem ter sempre em conta os efeitos sobre a família humana inteira, ponderando as suas consequências para o momento presente e para as gerações futuras. c) A solidariedade exprime o amor pelo outro de maneira concreta, não como um sentimento vago, mas como a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum, ou seja, pelo bem de todos e de cada um, porque todos nós somos verdadeiramente responsáveis por todos. Ajuda-nos a ver o outro – quer como pessoa quer, em sentido lato, como povo ou nação – não como um dado estatístico, nem como meio a usar e depois descartar quando já não for útil, mas como nosso próximo, companheiro de viagem, chamado a participar, como nós, no banquete da vida, para o qual todos somos igualmente convidados por Deus. d) A encíclica ‘Laudato si’ reconhece plenamente a interconexão de toda a realidade criada, destacando a exigência de ouvir ao mesmo tempo o grito dos necessitados e o da criação. Desta escuta atenta e constante pode nascer um cuidado eficaz da terra, nossa casa comum, e dos pobres. A propósito, acrescenta, desejo reiterar que não pode ser autêntico um sentimento de união íntima com os outros seres da natureza, se ao mesmo tempo não houver no coração ternura, compaixão e preocupação pelos seres humanos. 3. O uso desta gramática requer um processo educativo. *Nasce na família, núcleo natural e fundamental da sociedade, onde se aprende a viver em relação e no respeito mútuo. *Sempre em colaboração com a família surgem outros sujeitos encarregados da educação como a escola e a universidade e analogamente, em certos aspetos, os sujeitos da comunicação social. São chamados a transmitir um sistema de valores fundado no reconhecimento da dignidade de cada pessoa, de cada comunidade linguística, étnica e religiosa, de cada povo e dos direitos fundamentais que dela derivam. *As religiões em geral, e os líderes religiosos em particular, podem desempenhar um papel insubstituível na transmissão aos fiéis e à sociedade dos valores da solidariedade, do respeito pelas diferenças, do acolhimento e do cuidado dos irmãos mais frágeis. *A todas as pessoas empenhadas no serviço das populações, com uma missão educativa, e a quantos trabalham no campo da educação e da pesquisa, o Papa renova o encorajamento para que se possa chegar à meta duma educação mais aberta e inclusiva, capaz de escuta paciente, diálogo construtivo e mútua compreensão.
Autor: Silva Araújo
DM

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31 dezembro 2020