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Cristãos desafiados a abrir os olhos para as feridas da Humanidade

Cristãos desafiados a abrir os olhos para as feridas da Humanidade
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Publicado em 26 de dezembro de 2020, às 10:27

Arcebispo de Braga , na missa de Natal, sublinha a necessidade de fomentar a solidariedade, a igualdade e a justiça

O Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga exortou os fiéis, na Solenidade do Natal do Senhor, a olharem para «as feridas de um mundo em sofrimento», referindo que a luta contra a Covid-19 não permite que «façamos tréguas» na luta pela solidariedade, pela igualdade, pela justiça. O prelado referiu que a pandemia «já alterou muitos hábitos e vai exigir um novo estilo de viver», assente em valores para o «convívio em Humanidade». «A divisão da sociedade em classes, ricos e pobres, a classificação entre quem manda e quem obedece, poderá continuar mas está a ser terrivelmente abalada. Quem dera que a igualdade triunfasse definitivamente sobre as situações de marginalidade e de descarte. Quem dera que os políticos acreditassem que devem trabalhar para o bem comum e não só para clientelas e membros dos mesmos grupos ou partidos. Quem dera que a solidariedade triunfasse sobre a indiferença e instintos de enriquecimentos alheios à ética e às exigências do bem comum», desejou o Arcebispo. O prelado lembrou que todos nascemos iguais e todos deveríamos «crescer com os mesmos horizontes de felicidade» e viver em espírito de «fraternidade». «Não podemos ser inimigos nem nunca poderemos aceitar a indiferença do “arranje-se quem puder”. O beijo que não daremos ao Menino tem de se expressar nos outros, numa atitude de verdadeira universalidade. Nascemos para nos amarmos reciprocamente porque viemos de Deus que é amor», frisou o responsável religioso. No entender de D. Jorge Ortiga, o perigo do contágio pelo novo coronavírius está a «impor-nos uma certa desconfiança em relação aos outros», «medo de nos aproximarmos» e esse distanciamento físico poderá provocar o distanciamento social. «Com receio de contaminar os nossos corpos, corremos o risco de contaminar os corações», alertou. Num tempo de crise sanitária, económica e social, em que as desigualdades são mais notórias, o Arcebispo convidou a «viver intensamente a caridade» como propõe o programa pastoral da Arquidiocese de Braga, lembrando que «a caridade está no centro do Evangelho e nela está a identidade da vida cristã». «Somos cristãos se amamos, e o que amamos é que nos define pois a caridade é o rosto da nossa fé», acrescentou. Assim, segundo o prelado, os fiéis devem caminhar em «permanente atenção» e ver os outros com o «coração», pois a afetividade não se expressa só nos «gestos tradicionais dos beijos e abraços», mas também, como dizia Santa Teresa do Menino Jesus, através de uma palavra, de um sorriso e de outros pequenos gestos que «valem muito mais do que grandes promessas». «Não podemos olhar os outros com a cómoda indiferença de quem passa ao lado, fazer de conta que não se vê, como algo que não nos diz respeito ou ver com atitudes críticas que formulam juízos, interiores ou comunicados aos outros (...) Precisamos de dar largas ao coração e permitir que sugira comportamentos que parecem pequenos mas que podem dar qualidade a muitas vidas», preconizou. A par deste «amor afetuoso que o Natal exige», acrescentou, os cristãos terão de «ser capazes de olhar para a Humanidade ferida», onde «não é difícil encontrar sinais de dor e de angústia». «O Natal terá de nos acordar para uma solidariedade efetiva de sofrer com quem sofre. A solidariedade nunca será uma estratégia. Trata-se de uma verdadeira responsabilidade para com os outros», acrescentou. D. Jorge propõe coragem criativa para ultrapassar dificuldades Na celebração da Missa de Natal, a que presidiu na Sé, D. Jorge deixou uma mensagem de esperança aos cristãos da Arquidiocese, ao afirmar que «todos os problemas, por muito graves que sejam, podem transformar-se em oportunidade». Referindo-se à realidade social que estamos a viver, provocada pela pandemia de covid-19, o prelado disse que «precisamos de muita coragem» e «não podemos acreditar em facilitismos», porque o caminho a percorrer «é íngreme», mas «se a coragem for criativa, as dificuldades não nos deterão» neste mundo que «parece estar nas mãos dos poderosos, daqueles que não respeitam a história e querem construir o mundo sem valores». «Há sempre uma porta de saída a apontar para soluções não imaginadas», afirmou, acrescentando que «se usarmos a mesma capacidade criativa do carpinteiro de Nazaré, o Natal não será uma simples festa social mas acontecerá como projecto de uma sociedade nova onde todos têm lugar». O Arcebispo deixou esta sugestão em ano especial em honra de S. José, proclamado pelo Papa Francisco através da Carta Apostólica com o título “Com o coração de pai”. Neste documento, o Santo Padre aponta diversas características desta paternidade de S. José e D. Jorge Ortiga destacou a de «um pai com coragem criativa», que deve servir de modelo aos cristãos. Ainda neste contexto, o Arcebispo de Braga disse que «o Natal está a exigir que trabalhemos para que o mundo seja uma verdadeira família». «Na verdade, somos uma família com aqueles que estão perto de nós mas também com aqueles que estão mais longe», sustentou, depois de ter lembrado que Jesus «veio para todos e com todos quis construir uma família partindo da sua experiência, ou seja, da vida de Deus que entra em comunhão com as pessoas». Neste Natal «diferente» mas não vazio de conteúdo, em ano dedicado à Carta Encíclica "Laudato Si", o Arcebispo de Braga deixou ainda outra interpelação: que nos interroguemos sobre o que podemos fazer para que o mundo seja a nossa casa. «Jesus nasceu fora da cidade, perdido numa gruta, terra de pastores. Hoje, o Natal faz-nos ver que só uma ecologia integral salvará o planeta e nele permitirá que a vida seja digna para todos. Não podemos deixar de ter atitudes bem concretas de respeito pela natureza. Aprendemos nas escolas. Ouvimos muitas notícias. Não permitamos que se destrua a Terra», apelou. Na sua homilia, e depois de explicar o significado do Natal e o que ele deve representar na vida de um cristão, o prelado exortou os fiéis a colocarem Cristo no seu caminho e a caminharem «com os outros em gestos de solidariedade e solicitude». «O Natal sublinhará realidades adormecidas e apontará valores de transcendência incalculável para o convívio em Humanidade», disse o prelado, lembrando que o Deus Menino nasceu «para se identificar com todo o género humano, sem distinção de raças, credos, etnias ou partidos». No dia da celebração da festa do nascimento de Jesus, o Arcebispo de Braga aproveitou para alertar que existem «muitos esforços para afastar Deus da história da Humanidade», algo que sempre existiu ao longo dos séculos mas agora acontece de forma diferente, «camufladamente e no anonimato». «Outrora os adversários eram conhecidos e não se escondiam, hoje a técnica consiste em não afrontar Deus mas viver como se Ele não existisse, e fazer com que este modo de viver adquira traços de normalidade», assinalou o responsável religioso. Afirmando que «Cristo está a ser substituído, na caminhada da Humanidade, por conveniências nem sempre claras», D. Jorge Ortiga pediu aos cristãos que acordem para esta "luta" e mostrem que «será difícil» viver em sociedade sem Deus.
Autor: Jorge Oliveira