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O futuro da Democracia

Tenho defendido em diversos palcos e em particular nestas páginas a necessidade de uma maior e efetiva presença dos cidadãos na determinação das políticas locais e regionais que afetam o seu futuro. Durante décadas de Democracia em Portugal, entendeu-se que a representatividade partidária, escrutinada periodicamente em eleições, representava, por si só, uma resposta aos interesses das pessoas. Cedo se percebeu que essa fasquia era coxa e nem a existência de uma associativismo dinâmico foi capaz de colmatar as falhas no exercício de Cidadania que afastou consecutivamente os cidadãos das urnas. A necessidade de um maior escrutínio passou a balizar a relação entre as partes (eleitos e eleitores) e, mesmo assim, de forma pouco eficiente e só raramente eficaz. Apenas o Tempo com a adesão à Transparência dos atos públicos foi capaz de responder a requisitos de maior exigência da governação local. Hoje, assistimos à inversão da pirâmide e são os governantes a reivindicarem uma maior participação cidadã na vida das suas comunidades e a pedirem soluções para os problemas que deixaram de ser um exclusivo do poder politico. A proliferação de inúmeros organismos, congregadores desta necessidade biunívoca, a maior consciência cívica no exercício dos direitos e deveres das pessoas, a abertura de múltiplos canais de informação e a certeza de que o escrutínio dos atos deve ser algo permanente, tornaram possível a inversão de uma cultura lasciva, quase hilariante, que marcou durante décadas a vida democrática local. Apesar de muitos exemplos e de a palavra caciquismo, estar a desaparecer paulatinamente, a tarefa em torno da visão de uma Democracia partilhada está ainda na fase juvenil: muita vontade, muito voluntarismo, muita disponibilidade para mudar o Mundo, mas poucos instrumentos de intervenção efetiva. O futuro não parece reservar espaço para esta lacidão; o crescimento do espaço reivindicativo e a assunção de que sem as pessoas a Democracia navega à vista, ganha forma, cá e no restante espaço europeu, Anteontem, o Comité Europeu das Regiões abriu a janela de oportunidade para crescermos democraticamente, ao apresentar um conjunto de princípios que devem nortear a ação dos governantes e dos eleitos, agora que estamos próximos da Conferência sobre o Futuro da Europa: “os canais de comunicação de baixo para cima e os instrumentos de participação complementam e fortalecem a democracia representativa, bem como promovem a subsidiariedade ativa, dando aos cidadãos uma maior palavra além e entre as eleições”. Abre-se a possibilidade de ser criado no futuro próximo, “um mecanismo de diálogo permanente com os cidadãos” que permita a introdução de um instrumento estrutural de longo prazo para a participação cidadã na formulação das políticas da UE. A oportunidade de se galvanizar esta participação cívica é de tal modo pertinente que o Comité não tem dúvidas em afirmar a necessidade de incluir “um mecanismo claro de feedback.” O que está em causa é a criação de uma rede pan-UE baseada na participação voluntária – CitizEN, para atuar como um recurso central para estratégias, metodologias e instrumentos e para se comunicar direta e indiretamente, através de iniciativas existentes com cidadãos em toda a UE sobre questões europeias e seu impacto sobre as pessoas”. O Futuro da Europa passa pela criação de uma “ infraestrutura estável e permanente”, no pressuposto de que os cidadãos “sejam mantidos bem informados e possam estar envolvidos nas fases de monitoramento, avaliação e avaliação” dos resultados que vierem a ser produzidos na Conferência. Os representantes regionais europeus mostraram, neste documento, a clarividência necessária para uma efetiva aproximação de eleitos e eleitores, pelo que admitir a existência de um “ecossistema de métodos de participação que trabalhe continuamente para complementar os canais institucionais e oficiais de comunicação e representação das instituições democráticas europeias”, é um enorme passo para a construção da Europa comum “não visaria substituir a democracia representativa, mas sim enriquecê-la com os instrumentos e meios de democracia deliberativa e, às vezes, a democracia direta”, o que, sem sombra de dúvidas, deixará para trás, um longo e penoso caminho trilhado tantas vezes por corruptores e corruptos da Democracia, validada vezes sem conta pela ingenuidade e deslumbramento dos cidadãos em torno do poder político.


Autor: Paulo Sousa
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25 outubro 2020