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‘Trabalhadores e o povo’ – redundância ou provocação?

É slogan orientador de uma formação político-partidária: ‘os trabalhadores e o povo’! Numa tentativa dialética de criar, difundir e aproveitar conceitos de outros, apropriando-os ao seu contexto mais ou menos em regime de luta de classes, promovendo os fatores que possam vir a atingir a ‘ditadura do proletariado’…

* Será que eles e só eles se podem arrogar como senhores dos trabalhadores e donos do povo? Já terão reparado que certos conceitos já não estão na data da sua origem? Como poderemos ainda confiar em quem tenta, pela dialética marxista, configurar o pensamento já menos ideológico e não tão manipulável?

* Visto o assunto por outro prisma, não será que as duas palavras – trabalhadores e povo – envolvem a mesma realidade prática e idêntico contexto social? Onde está tanto a distinção, no ‘povo’ por contraste com outras classes – se é que elas existem? – ou nos ‘trabalhadores’, que já não são só os operários e o pseudo-proletariado? Não haverá um razoável anacronismo linguístico, quando se pretende colocar o ‘povo’ como fator revolucionário, sem perceber que os ‘trabalhadores’ são mais do que aqueles que produzem mais-valias e são (os eternos) explorados pelo capital? Não será que a pretensa consonância entre ‘trabalhadores’ e ‘povo’ é (e deve ser) muito mais do que fórmula de uma tese para iludir quem não se apercebeu ainda que está a ser manipulado por algo sobre o qual não refletiu?

* Fique claro que não embarco na teoria de definir seja o que for pela discrição ‘daquilo que não é’. Um simples exemplo: para saber e formular que sou homem não será correto que seja definido por não ser mulher! Sobre ‘ser trabalhador’ não se pode dizer que é quem ganha salário, pois há tanto trabalho sem preço e com muito custo, que salário algum pagaria! Quanto ao conceito de ‘povo’, todos somos povo na essência, embora haja quem queira continuar a viver num feudalismo (clero, nobreza, burguesia e povo) de classes… suficientemente antiquado!

Não concordo com essa visão preconceituosa de que, quem possui bens – muito para além dos meramente materiais – é (ou pode ser) explorador ou, quando tiver responsabilidade de gerência, possa pertencer a algumas das ‘classes’ malditas para muitos outros que, na linguagem marxista, ‘vendem a força do seu trabalho’, auferindo um salário. Sou defensor da propriedade e da iniciativa privada, vendo-a como mais produtora de riqueza (pagamento de impostos ou geradora de sucesso) do que a estatização/coletivização da economia ou pela ‘democratização’ dos bens de produção colocados sob a alçada de uma nomenclatura antiga ou recauchutada, mas com proveitos de classe sem uma razoável explicação… Para mim a História não se constrói essencialmente pela luta, mas pela concordância feita a partir de dentro e não imposta, como ditadura, desde fora. Por muito que desejem legitimar certas tropelias, no atual estado da economia, inseridos neste clima de pandemia, condicionados pelo medo do futuro, não será pela acintosa desgovernação estatizante que iremos conseguir desenvolver o nosso país…

* O trabalhador é uma pessoa, com direitos e deveres, com família e numa sociedade, inserido num contexto humano e cultural, vivendo num corpo, sustentado por uma alma e guiado pelo espírito. Numa visão cristã/católica vamos ver certos aspetos inerentes à nossa condição de trabalhadores num povo, que é mais do que um mero coletivo. Desde logo toda a pessoa é trabalhadora, na medida em que colaboramos no processo cocriador de Deus em tudo quanto fazemos. Por isso, não há trabalho mais digno ou menos correto e não podemos considerar que possa haver quem não tenha o mínimo e suficiente para a sobrevivência da sua vida pessoal e familiar. Deste modo considero injusto e imoral o tal princípio neomarxista de ‘salário igual a trabalho igual’, pois alguém poderá precisar de um salário diferente perante as obrigações familiares que tem de suportar. A pretensa justiça social poderá parecer um canto de exploração para quem tenha de ser parte nas tarefas de âmbito familiar. Afinal, o ‘povo’ não é um abstrato de índole utópica, mas tem um rosto, uma história e um processo de afirmação, enquanto o ‘coletivo’ não passa de uma peça da engrenagem dialética ditatorial, ontem como hoje. Acordem, trabalhadores de todo o mundo: quem diz defender-vos, explora-vos!

DESTAQUE

Não há trabalho mais digno ou menos correto e não podemos considerar que possa haver quem não tenha o mínimo e suficiente para a sobrevivência da sua vida pessoal e familiar.


Autor: António Sílvio Couto
DM

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12 outubro 2020