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Tudo o que se faça é pouco

Em poucos dias o tema do envelhecimento e a sorte dos mais idosos voltou à Praça Pública, ora porque acordamos de novo para a violência que estes sofrem, ora porque as políticas urbanas estão longe de dar respostas às necessidades dos mais velhos. No primeiro caso, já aqui o afirmei, a criação de uma Comissão de Proteção de Idosos, à semelhança daquela que já existe para os mais novos, é pertinente, mas deve ser discutida a possibilidade de alargar o âmbito das atuais Comissões que gerem a problemática das crianças e jovens, e não a de criar novos organismos, obrigando a um esforço de meios e recursos de todo em todo desaconselhável.

É verdade que esta proteção deveria começar na família, mas já todos percebemos que não somos um país de bons costumes nessa matéria e também sabemos que o abandono e a violência – não sendo uma realidade de hoje, simplesmente ampliamos o drama através da comunicação social – se tornaram uma questão de Estado, porque simplesmente nós somos o Estado e nessa condição somos os principais protagonistas desta impertérrita atitude que nos caracteriza a todos: a indiferença. Apesar das inúmeras políticas que se anunciam como protetoras dos mais velhos, que se espelham em anúncios e medidas, nada mudou na mentalidade dos que deveriam estar na linha da frente: nós os filhos e filhas, a família. Assistimos à cobardia latente no hemisfério de uma cultura que despreza, abandona e até se sente confortável quando aponta o destino de um Lar como solução do seu desconforto e no entanto, percebemos todos, de forma amarga, como pode ser mortal esta solução.

É verdade que nem todos os idosos estão abandonados nem todos sofrem da mesma maneira, mas a sociedade que estamos a construir diariamente continua a assobiar para o lado que mais lhe convém, enquanto usa o outro, para se declarar solidária e respeitosa dos direitos humanos. Chega a ser cruel e hipócrita a desfaçatez encoberta de uns, em nome de uma alegada preocupação, que sobrevive nas intenções e morre na Ação. É aqui que as políticas urbanas das cidades, vilas e freguesias, acabam por se encaixar, seja no domínio da dignidade humana em que se pede condições apropriadas para uma vida sem fome, salubre e com acesso a cuidados de saúde adequados. Não há solução possível que respeite a mobilidade reduzida, quando no passado as réguas e os esquadros foram feitas para os carros e para os mais afoitos; não há solução que perdure de forma saudável, se mantemos passeios estreitos, com materiais inapropriados, se criamos lugares de convívio e nem sequer percebemos como deveria funcionar o processo de Comunicação entre quem os usa. Quando olhamos para os problemas de saúde como um esforço financeiro improdutivo, quando, na verdade, não estamos a fazer mais do que a nossa obrigação, estamos a acelerar a máquina da indiferença e apesar da evolução positiva em muitos domínios, muitas das medidas são paliativas. É verdade que carecemos de disciplina pessoal para nos prepararmos para a velhice e também é verdade, que ela é o espelho de uma cultura de preguiça que impede uma vida saudável. Esse facto não deveria ser impedimento de políticas proativas a montante e a jusante de uma realidade que tende a cristalizar-se e a ser vista como um mal necessário. Carregamos políticas, umas mais expeditas do que outras, até ao estreito da consciência, mas falta-nos a humildade para transformarmos os nossos idosos, na mais importante referência de uma sociedade que deveria proteger a experiência e o conhecimento adquiridos, zelando para que esta continue a ser a referência matriz da relação intergeracional.

À medida que a sociedade envelhece a um ritmo assustador, torna-se clara a necessidade de repensarmos o modelo urbano de intervenção precoce que em boa verdade, diga-se, não constitui uma prática generalizada nas cidades europeias, apesar de aparecer nos escaparates como necessária. Faço parte de uma geração que parece não ter aprendido nada com a Democracia, a Liberdade e a Dignidade que conquistamos quando ainda hoje continuamos a debater soluções para a vida dos que nunca deveriam estar, como estão, no debate público da conveniência.


Autor: Paulo Sousa
DM

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4 outubro 2020