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Vínculos afectivos monogâmicos?

1. A pergunta que vem do anterior artigo: porquê o aumento do número de divórcios? Ainda sobre este tema dos vínculos afectivos monogâmicos (isto é, um só homem e uma só mulher), sabe-se que o factor cultural também influencia o factor biológico, são dois vectores que mutuamente se influenciam e estimulam. Para se poder estudar o comportamento sexual é preciso ter em conta, para além do processo biológico também o processo cultural e social. Na perspectiva da Fenomenologia, Max Scheler afirma que o amor é uma realidade psíquica irredutível; no entanto, o amor humano é inseparável da nossa dimensão biológica: todos os comportamentos do sujeito são naturalmente sexualizados, como resultado da formação da sua identidade pessoal que se vai construindo mentalmente e afectivamente ao longo do seu crescimento e formação da personalidade, um processo normal que não tem nada a ver com a chamada teoria de “género”. É a partir da autopercepção e representação psíquica da nossa condição morfológica sexual e do condicionamento hormonal que a ela está ligado que se constrói a nossa identidade assumida masculina ou feminina. Depois, como em tudo na natureza, pode haver falhas, por razões várias; mas, pretender definir o processo normal a partir das falhas, é um erro.

2. Apesar do vínculo monogâmico e de serem um casal estável, os mamíferos de tendência monogâmica não deixam de sentir atracção sexual mútua quando se encontram com um outro/a estranho da sua espécie, que não o seu par. Não é pelo facto de ser de tendência monogâmica que o macho deixa de se sentir atraído por outras fêmeas ou que a fêmea deixa de se sentir atraída por outros machos. O que Zoe Donaldson verificou foi que os arganazes do campo reagiam de modo diferente quando encontravam o seu parceiro/a ou quando encontravam um outro estranho da mesma espécie. Porquê? Quando o animal monogâmico estava longe do seu parceiro e corria para o encontrar, havia um agrupamento de células no núcleo accumbens do cérebro que disparava activamente e que, quanto mais tempo os dois estivessem juntos, mais alargada ficava a ressonância nesse núcleo de células (a que chamaram “grupo de abordagem de parceiros”). Consequentemente, mais fortes ficavam os laços de afecto e mais reforçados os vínculos que os unem.

3. A questão de se saber se, ao nível humano, há uma base biológica especial que possa fundamentar a fidelidade monogâmica, para que ela não seja considerada apenas um assunto cultural, é assunto que continua em estudo. Se fosse permitido extrapolar para o ser humano estes comportamentos observados nos roedores da pradaria, diríamos que esse gostar de estar juntos, que pressupõe outras questões que antes abordamos, funcionaria como estímulo e reforço do vínculo afectivo especial de fidelidade, conferindo um sentido diferente ao seu relacionamento sexual como parceiros de vida, um sentimento de pertença e de fidelidade mútua, um sentido estético e valores pessoais diferentes, o gosto de criarem os seus filhos, o sentimento de segurança mútua, para além da abertura para outras motivações transcendentes. E esse processo de saber estar juntos e de cultivar esse saber estar juntos teria de funcionar mutuamente e dinamicamente, enquanto estímulo da comunicação hormonal e reforço do sentimento de mútua pertença afectiva.

A análise da dinâmica hormonal durante a comunicação sexual e o prazer de partilhar mutuamente essas sensações e sentimentos apontam nesse sentido. Trata-se de uma matriz inscrita na natureza, apesar dos erros e desvios da condição humana.

Gostava só de referir mais um pormenor interessante sobre o comportamento de fidelidade monogâmica destes arganazes do campo, que também se constata em casais humanos: quando um dos arganazes morre, macho ou fémea, só cerca de 20% procura novo parceiro.

(Nota: o autor não escreve conforme ao Acordo Ortográfico)


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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27 setembro 2020