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Vínculos afectivos monogâmicos?

1.Tem-se reportado na comunicação social que o prolongado confinamento por causa do coronavírus provocou um aumento do número de divórcios. Quando se fala de aumento de divórcios, estamos a falar de factos que apontam para vários problemas da ordem de intervenção cultural, uns anteriores à decisão formal do casamento (como a formação da personalidade, a cultura do afecto e do respeito aprendidos em família, a importância do namoro e a escolha do cônjuge) e outros posteriores ao casamento (como o saber estar juntos, saber cultivar a mútua sedução, o diálogo, a ternura, o saber perdoar, a cultura dos laços de fidelidade na atracção pessoal, o superar os riscos de infidelidades… Sendo um ser de tendência monogâmica, o homem precisa de manter sempre reforçada a opção da sua escolha afectiva, porque “o verdadeiro de amor é sempre uma escolha”, como disse Max Scheler. E, sendo uma escolha afectiva, ela tem de ser cultivada em cada dia, porque toda a escolha humana se situa no tempo e há sempre factores novos e desconhecidos que a podem influenciar. 2.Esta análise remete-nos para alguns estudos científicos que se vêm fazendo sobre a questão da monogamia e poligamia. Há quem defenda a monogamia e há quem defenda a poligamia (Rui Diogo, biólogo e investigador, afirmava, em recente conferência, que a monogamia foi mais imposta à mulher do que ao homem). Na cultura ocidental, segue-se a monogamia; noutras culturas é permitida a poligamia. Por exemplo, os muçulmanos podem ter várias esposas (o Alcorão diz: casai com quantas mulheres quiserdes) e podem casar com uma menina a partir dos 9 anos; os mórmons também podem ter várias esposas; e bem assim outras culturas, sobretudo africanas. Aqui, mais do que convicções ideológicas ou culturais dos vínculos afectivos, interessa-nos saber se há base científica em que elas possam assentar, porque de ideologias andamos todos nós saturados… Esta diversidade de práticas sociais remete-nos sempre para a questão essencial: o vínculo afectivo do casamento é meramente cultural ou tem uma base neurológica no nosso cérebro? Se é apenas cultural, então trata-se apenas de vinculativo ao nível jurídico; mas, se tiver uma base neurológica, então, para além do vínculo jurídico, ele torna-se eticamente um imperativo natural. 3.Há, sobre esta questão, muita literatura. Como não se pode fazer experiências com o ser humano, vamos referir dois estudos sobre o comportamento sexual dos arganazes do campo, uma das cerca de 5% das espécies de mamíferos que se consideram monogâmicos. Thomas Insel, da Universidade de Emory, Atlanta, EUA, comparou os comportamentos dos arganazes do campo com o dos arganazes da montanha e verificou que têm comportamentos diferentes no que diz respeito aos vínculos afectivos, atribuindo esses comportamentos aos diferentes caminhos que as hormonas oxitocina e vasopressina têm no seu cérebro. Por sua vez, Zoe Donaldson, da Universidade do Colorado, EUA, estudando apenas os arganazes do campo, chegou à conclusão que têm embutido nos seus circuitos cerebrais o desejo de estar com o outro, algo como um amor cerebral: “somos configurados de uma maneira única para procurar relacionamentos íntimos como fonte de conforto e isso geralmente ocorre por meio de actos físicos de contacto”. E o que têm de especial os animais monogâmicos? Têm um prazer especial em estar com o seu parceiro, não apenas na actividade sexual, mas também na sua companhia. 4.Se extrapolássemos esta constatação para a situação humana, como seres inteligentes que somos, este saber estar com ele/a vai necessariamente relevar de factores culturais que são aprendidos em família, da importância da relação pessoal, da formação da personalidade, da cultura, dos valores, da aprendizagem da vida, da escolha afectiva no namoro, do julgamento e sentido de eventuais infidelidades, da educação recebida dos pais, das interpretações religiosas e sociais, da interpretação da sexualidade…Um vasto campo a explorar e um bom tema para a acção formativa social da Igreja dos tempos de hoje.
Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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13 setembro 2020