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Um país de cócoras

1 – Escrevo no primeiro dia da chamada «Festa do Avante». Não sei, por isso, o que daí vai sair. Pode não sair nada. De bom, se sair alguma coisa, será, e só, a alegria de uma grande confraternização. De mau, pode sair muita coisa e muito má. 2 – Deveria bastar esta última hipótese – sim, encarada apenas como hipótese – para que tudo fosse suspenso ou cancelado. Deveria, mas não foi. Os interesses dos festeiros estiveram (e estão) acima dos interesses do «povo» sempre tão presente na boca dos mesmos festeiros. 3 – Com o país a braços com uma pandemia furiosa, de dramáticas e, nalguns casos, mesmo trágicas consequências; onde se recomendam distâncias de dois metros entre as pessoas; onde se proíbem, em certas zonas, ajuntamentos de mais de 20 pessoas; onde os estádios estão vazios de espectadores; onde as igrejas têm lugares marcados para garantir as distâncias; onde casamentos e baptizados e outras festas particulares têm número limite de convidados; onde, enfim, procissões e romarias populares foram suspensas com grande desgosto e compreensão do povo, (do verdadeiro e não do comicieiro) – nesse país faz-se, de encomenda, um regulamento sanitário à medida da «Festa do Avante» com milhares de participantes. Onde todas as festas estão suspensas, a do Avante permanece. 4 – Não! Não me venham dizer que não se trata de um festival mas de uma actividade política. Numa actividade destas há discursos, há conferências, há teses que são apresentadas e discutidas, há moções e outras coisas do género com uma assistência interveniente de algumas dezenas de pessoas ou, excepcionalmente, curtas centenas. Mas não há concertos nem fados, nem venda de livros e, muito menos barraquinhas de comes e bebes. Nem milhares de intervenientes. A «Festa do Avante» é, exactamente, o que o seu nome indica – uma festa. Uma festa em que comunistas, simpatizantes e simples curiosos confraternizam e se divertem. Legitimamente – diria eu, não fora a pandemia. Ilegitimamente nas presentes circunstâncias de potencial atentado à saúde pública. 5 – Porquê então esta descriminação descarada a que alguns, beatamente, chamam de «positiva»? Porque se trata do Partido Comunista Português. E só. Fosse outro o partido, outra associação, outra qualquer entidade colectiva e a realização seria negada (e muito bem!) sem direito a regulamentação especial – uma evidência que se mete pelos olhos dos mentalmente cegos mais cegos. Continuando a perguntar: o que legitima, em Democracia, tal excepção a tal partido? Respondem duas ordens de razões: A primeira é que o P.C.P. sempre foi um partido francamente minoritário (e cada vez mais minoritário) que sempre se comportou como se maioritário fosse e sempre também à boa maneira estalinista – impondo a sua minoria à maioria. A segunda é que em Portugal se tem medo de discordar do P.C.P. Tem-se um temor reverencial. Um medo de ser impopular. De parecer de extrema direita, fascista, reaccionário, retrógrado e outros epítetos com que são frequentemente apodados os herejes que ousam defender ideias próprias e… não-comunistas. E assim chegamos a esta imagem vergonhosa: uma pátria cobarde – a minha – de cócoras diante da alegria prepotente de sessenta mil festivaleiros que põem em risco a saúde e a vida de dez milhões de tristes que têm poucas razões para «festivalar» .
Autor: M. Moura Pacheco
DM

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8 setembro 2020