twitter

A MORTE DO PLEONASMO

No meu tempo, quando se começava a aprender Francês, logo no primeiro ano do liceu, todos tínhamos a tendência de traduzir «mettre» por «meter». E logo o professor corrigia, com benevolência a princípio, mas com irritação nos anos seguintes, que a tradução correcta de «mettre» é, em português, «pôr». Mas, ao longo dos cinco anos em que o Francês era obrigatório, o erro lá aparecia de quando em vez. Persistia.

Outro erro frequente, mas este no estudo da língua materna, contra o qual os professores muito se abespinhavam, era o uso de pleonasmos. Expressões como «subir para cima», «recuar para trás» e – nomeadamente – «meter dentro» e outras do género, desclassificavam qualquer redacção e eram objecto de bem humorada e, às vezes trocista, repreensão.

Eu, confesso, não sei qual é hoje o peso da língua francesa no plano de estudos secundários. Mas imagino que seja muito grande, provocando-me a sensação de que invadiu completamente a língua portuguesa ao ponto de – finalmente! – ter feito desaparecer o verbo «pôr» definitivamente substituído pelo verbo «meter» (como nós fazíamos no primeiro ano do liceu).

Começaram por ser os jovens (daí a minha dúvida sobre a influência do mau ensino de Francês). Mas, rapidamente, passou aos «pivots» da televisão, às suas notícias de rodapé, aos comentadores, aos deputados, aos ministros, a toda a gente.

É assim que agora se diz, por exemplo, que a pandemia não permite «meter» os pés na rua; que as pessoas «metem» as mãos em cima da mesa (esta é de uma escritora); que o governo «meteu» à consideração da assembleia um qualquer diploma; que há quem «meta» em dúvida isto ou aquilo; e até já sei de um pai que disse que o filho «meteu» a língua de fora a um colega.

Isto é: no tempo em que se traduzia (mal) «mettre» por «meter»; no tempo em que «meter dentro» era um erro de português susceptível de penalização e troça, aprendia-se que «meter» era sempre «dentro». E que, por isso, «meter dentro» era um pleonasmo tão ridículo, desnecessário e redundante como «sair para fora» ou «subir para cima».

Mas – pelo visto, ouvido e lido – deixou de ser. Porque, agora, se pode «meter fora», «meter de fora», meter em qualquer sítio menos «dentro».

E assim a morte do pleonasmo se vai alargando a outros domínios e verbos. Ainda há bem pouco tempo «subir para cima» ou «descer para baixo» era pleonasmo que qualquer figura pública não usava.

Pois ainda há dias, na televisão ouvi um dos nossos ministros mais auto-afirmativos dizer que, entre nós, as emissões de já não sei o quê (suponho que de carbono) «tinham descido acima da média europeia» (sic!!!!!). Pelo menos ministerialmente já se «desce acima».

O pleonasmo (como tantas outras coisas), em Portugal, está em agonia. E a breve trecho vai morrer (quem sabe se o atestado de óbito não será passado pelo Ministério da Educação Nacional).

Paz à sua alma.

Nota: por decisão do autor, este texto não obedece ao impropriamente chamado acordo ortográfico.


Autor: M. Moura Pacheco
DM

DM

9 agosto 2020