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Aprendemos alguma coisa? Nunca é em vão o bem que fazemos.

As bonitas frases escritas em vários lados e meios de comunicação, do tipo: 'vai tudo ficar bem', 'vamos vencer esta crise', 'nada será como antes' e outras parecem desmentidas pelas atitudes de bastantes pessoas, jovens e menos jovens, nestes tempos de desconfinamento, cujos comportamentos parecem não terem sido alterados, como se esperava. E como afirma o Papa Francisco: «pior do que esta crise, só existe o drama de a desperdiçar». Que coisas nos deve ensinar esta crise que está para durar, e ameaça voltar no Outono? A primeira grande evidência de que o nosso mundo está doente, embora aparentemente assintomático, é que emerge com absoluta evidência a fragilidade social da população idosa, sobre a qual se abateu com particular violência o tsunami do Covid-19. Há países em que 85% dos mortos por causa da epidemia são idosos com mais de 70 anos. Há toda uma geração que pagou um preço demasiado elevado e sofreu as consequências de uma tenebrosa combinação: debilidade, solidão, abandono. O que devemos a esta geração é o empenho em construir uma sociedade diferente, baseada na solidariedade intergeracional, cuidadosa da saúde e da vida de cada um dos seus membros. Recentemente, o Papa Francisco denunciava o sofrimento de tantos idosos: «que são deixados sozinhos pela família, como se fossem material descartável. Um dos dramas dos nossos tempos é a solidão dos idosos». E é isto que, passada a fase aguda da pandemia e do confinamento, não se deve mais repetir, se queremos que aquilo por que passamos não tenha sido em vão, se não queremos que o nosso mundo recaia na ilusão de uma saúde aparente, que afasta quem tem maior necessidade de companhia, sustento e amizade. Há até quem tenha proposto uma operação de 'tomar conta de' em que, cada condomínio, paróquia, conjunto residencial se comprometem a adoptar um ou vários idosos que vivam sozinhos. Isso significaria tomar o compromisso de fazer-lhes algumas chamadas telefónicas, levar-lhes as compras, fazer um pouco de companhia, escutar, contar histórias, etc,. A solidão, sobretudo dos idosos e doentes, é cada vez mais o mal do nosso tempo, e atinge sobremaneira os menos auto-suficientes e vai perdurar para lá lá da pandemia, pois, para esta, espera-se uma vacina e vão-se descobrindo melhores medicamentos. Para a solidão, a vacina somos nós, se soubermos recompor a trama lacerada entre as gerações; a cura são as nossas palavras, as nossas mãos, se escolhermos dar tempo e atenção a quem está mais adiantado nos anos. Perante um vírus que atingiu a sociabilidade dos povos e de cada um, que obrigou, primeiro ao confinamento, e depois ao distanciamento físico e uso de máscara, ocorre responder com um igual contágio, mas de sinal contrário, feito de comunhão de destino e de sensibilidade, de interdependência de percursos e metas. Temos de nos fazer 'hospital de campanha', homens e mulheres capazes de administrar a terapia que salva: a terapia da memória, da solicitude, da proximidade, do encontro. Todos temos que ir às periferias da vida, àquela fronteira extrema da existência que todos esperamos atingir e que todos auguramos que seja plena, rica, vivível, como cada estação da vivência humana. Se a pandemia nos sacudir ao ponto de nos tornar conscientes de que, de verdade, 'estamos todos no mesmo barco' e que, tornar-nos vizinhos de quem é idoso, nos permite salvar-nos 'todos em conjunto' e toda a humanidade, então este drama não terá acontecido em vão, e seremos melhores e mais fortes ao longo desta viragem da história que estamos a presenciar. Sendo vulneráveis e mortais e sabendo que não somos eternos, todos podemos chegar a compreender – mesmo os que não crêem no Deus-Amor plenamente revelado em Jesus Cristo – que só o bem que fazemos nos salva, porque aquilo que de bom e justo fazemos com a nossa vida, não morre, pois continua nos outros. É isto que nos faz caminhar para a frente e jamais para trás. O pessimismo reclama espaço, mas não o merece, pois há tanto para viver e fazer que jamais devemos esmorecer no esforço de o realizar com perseverança, tenacidade e alegria. Mesmo que muitos pareçam desprezar o que de bem e bom os outros fazem, a nossa firme aposta deve ser a da comunhão, a do caminho da busca da sabedoria dos pequeninos do Evangelho, aqueles a quem o Pai revela as maravilhas que lhes estão prometidas.
Autor: Carlos Nuno Vaz
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18 julho 2020