twitter

A pedagogia do medo

Os tempos que correm são de loucura: loucura por causa do covid 19, loucura pela vacina que a há de erradicar, loucura por causa da economia e loucura por tudo aquilo que faça um milagre que torne claro estes dias cinzentos. Estas loucuras são transversais uma vez que todos nós como humanos temos as mesmas estruturas psicossomáticas. Mas ao que vejo daqui dentro do confinamento da minha janela, não parece haver nada desta loucura ou sequer vestígios de um dos seus componentes. Da minha janela vejo passar pessoas sem medo, nem usam máscara, nem evitam parar para conversar com quem se cruzam, caminham com uma descontração que inveja os mais nervosos. Penso que só eu tenho medo de sair porque inculquei, em minha mente de prevenido, que o tempo de contágio continua e que os espaços e as máscaras e os cuidados de higiene se devem manter sob perigo de vermos andar mais para trás aquilo que pouco andamos para diante e, para desculpa desta medrosa postura, chamo-lhe dever consciente cívico; como justificação para esta cobardia que me põe agarrado ao sofá, como condenado preso com correntes, digo que os atrevidos que vejo passar descontraídos são uns (in)cívicos, se é que esta palavra existe ou se não existe, para mim quer dizer pessoas que não tem a menor educação cívica nem respeito pelos outros. No meu íntimo estas palavras cheiram-me a desculpa erudita para camuflar uma verdade; e a verdade é que tenho medo. Os contaminados de Lisboa e vale do Tejo têm borrado a pintura; estes senhores que vejo apenas nos traços da loucura descontrolada parece que não percebem que estão a cometer dois crimes graves: o crime contra a saúde pública e o crime contra a economia. As notícias de encerramento de fronteiras a nacionais portugueses ou oriundos de Portugal são uma demonstração substantiva de quanto as suas inconsciências agravam a imagem de Portugal fazendo de uns dos melhores locais turísticos da Europa a evitar por causa da pandemia. Não há já lugar para a “pedagogia” da palavra, nem há nem deve haver lugar para medidas benevolentes. O que deve haver lugar é apara a multa, a proibição, o pagamento aplicados aos prevaricadores. É preciso que eles tenham a noção exata das suas infrações. O castigo deve ser sempre proporcional à falta. Com paninhos quentes é que a coisa já não vai. É verdade que se espalhou a ideia que a gripe covid-19 era uma coisa de velhos e, nesta ligeireza de análise e de divulgação, inculcou-se uma ideia de falsa imunidade para os mais novos. Eles são sangue que ferve em desejos e eles são tanto mais apetecidos quanto mais reprimidos. Então, se as palavras já não bastam, se os apelos caem em sacos rotos, se o policiamento não pode estar em todos os lugares, se os ajuntamentos se realizam à velocidade das redes sociais, há que arranjar um processo de fazer chegar-lhes o medo. O medo é uma excelente pedagogia. Sem medo nem existiriam as religiões. Há que começar uma forte e incisiva campanha de divulgação dos malefícios que o vírus provoca nos jovens. Sem a pedagogia do medo tudo ficará em cantiga e, como eles se sentem imortais, sem sentimentos de culpa, e não se importam de ficar na história da sociedade portuguesa dos anos 20, deste século, como os carrascos de três gerações, a deles, a dos pais e dos avós, há que colocar o comboio nos trilhos; custa, dói, mas tem de ser. Sem se espremer o bojego a coisa não sara.


Autor: Paulo Fafe
DM

DM

6 julho 2020