twitter

O culto jornalístico dos rankings

A imprensa portuguesa foi acometida no fim-de-semana passado por mais um surto sazonal dessa espécie de doença infantil de algum jornalismo que se manifesta através do entusiasmo pelos rankings. A maleita não é especificamente nacional. Na altura em que se declarava nas páginas dos nossos jornais, também acometia, por exemplo, a revista francesa Le Point, que apregoava na capa a divulgação de um “palmarés” dos advogados: “Os melhores escritórios em 26 especialidades”. Em vez de causídicos, as classificações portuguesas hierarquizavam os estabelecimentos de ensino básico e secundário. Esta ordenação anual tem servido sobretudo para, durante uns dias, oferecer publicidade gratuita a alguns colégios, externatos ou escolas. Não viria daí qualquer mal se a divulgação dos rankings escolares – e nunca parece ser demais repeti-lo – não fomentasse a multiplicação de equívocos e injustiças. Difundir amplamente esta ordenação dos estabelecimentos de ensino pelas notas de exame dos alunos faz com que muita gente fique convencida de que as escolas são essencialmente uma mais ou menos bem ou mais ou menos mal sucedida indústria de amestramento de examinandos. Os estragos educativos decorrentes deste equívoco têm sido consideráveis. A hierarquização das escolas estabelecida em função dos resultados dos exames faz com que os professores, pressionados pelos seus superiores hierárquicos e pelos encarregados de educação, tendam a condicionar o fundamental da sua função, procurando desenvolver nos alunos sobretudo as aptidões de resposta ao que é exigido nas provas finais. Ao treinarem desse modo os examinandos, descuram as áreas não sujeitas a avaliação, assim prejudicando a missão educativa global. Julgar possível avaliar a qualidade do trabalho escolar e educativo por estes rankings é um erro grosseiro que se tornou possível pela extensão da influência das doutrinas da gestão empresarial a domínios que deveriam ser subtraídos a parametrizações rudimentares. De resto, como se sabe, os resultados dos exames são influenciados por diversos factores alheios ao trabalho das escolas, como é o caso do nível de escolaridade dos pais ou do recurso a explicações. Como aqui em outra ocasião já se referiu, os rankings são como as profecias auto-realizáveis. Um estabelecimento de ensino bem classificado será, por essa circunstância, procurado por mais melhores alunos. Podendo, assim, fazer subir o nível do recrutamento, tenderá a melhorar os resultados no ranking seguinte. As escolas mal classificadas, em contrapartida, tornar-se-ão cada vez menos atractivas. Delas procurará escapar sempre que possa qualquer aluno bom ou mediano. Irão, por isso, piorando os resultados. A classificação das escolas em função dos resultados dos exames é assaz injusta. De tal modo que a imprensa mais escrupulosa julgou pertinente estabelecê-la tendo em consideração outros critérios que pudessem minorar a iniquidade. Ainda que continuando a incidir nos exames finais, alguns jornais divulgaram, por isso, uma ordenação que tomou em consideração um aspecto que se mostrou suficiente para revirar a ordenação global, introduzindo, aliás, um módico de verdade relativamente a algo em que raramente se repara. Esse indicador mais recente apura em que estabelecimentos de ensino se regista uma melhoria dos resultados dos alunos durante o ciclo de estudos. Em 273 estabelecimentos de ensino em que os alunos melhoraram as notas desde que entraram até que saíram – tiveram “percursos de sucesso”, para usar uma designação oficial –, apenas seis eram privados. Quem der uma espreitadela aos rankings divulgados pela imprensa nem sequer fica muito bem esclarecido. Um exemplo: o mesmo estabelecimento de ensino bracarense que o Diário do Minho, citando a agência Lusa, apresentava no domingo passado como sendo o segundo melhor a nível nacional tem classificações diferentes no Correio da Manhã e no Jornal de Notícias do dia anterior (neste diário portuense, encontrava-se em sexto lugar no “Ranking 30 primeiras escolas ordenadas por classificação de exame”. A discrepância é significativa). A educação que exacerba a competitividade e estabelece como padrão de sucesso ter excelentes notas em exames não é a mais aconselhável. Numa das sempre subtilmente irónicas tiras de Calvin & Hobbes, de Bill Watterson, o pequeno Calvin pergunta à colega Susie que nota tirou. Ela diz-lhe que tirou uma nota elevada e o arguto Calvin, que tirou uma nota mais reduzida, diz-lhe que não queria estar no lugar dela. Susie fica perplexa porque, claro, o “normal” é querer melhores notas, mas Calvin explica-lhe: “Acho que quanto menores forem as expectativas dos outros em relação a mim mais fácil fica a minha vida”.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

DM

5 julho 2020