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Para uma gramática da hospitalidade (II)

Terminávamos a reflexão da passada semana dizendo que a hospitalidade é um dos traços essenciais da humana forma de ser e de estar. De facto, a identidade humana e cristã articula-se em torno da hospitalidade, trama onde se tece a vida, nas suas diversas formas, momentos e expressões. A inteligibilidade e credibilidade da vida humana, em geral, e da vivência e testemunho cristãos, em particular, dependem da gramática da hospitalidade que, além de categoria vital, é também lugar teológico e uma das melhores ferramentas para a construção da identidade e da comunidade cristã. É na comunidade crente que a hospitalidade se torna tangível, testemunho eloquente para os de fora e clima caloroso para os de dentro. Estes não pretenderão sair dela e aqueles talvez coloquem a hipótese de nela entrar. A comunidade cristã constrói-se pelas vias da inclusão, do lado da hospitalidade. Não há outro caminho para que ela seja verdadeira comunidade e não haverá para ela melhor designação do que “casa da hospitalidade”, entre os seus, onde é a expressão da fraternidade dos cristãos, e para com todos: “a catolicidade não se manifesta somente na comunhão fraterna dos batizados, mas exprime-se também na hospitalidade assegurada ao estrangeiro, qualquer que seja a sua pertença religiosa, na rejeição de toda a exclusão ou discriminação racial e no reconhecimento da dignidade pessoal de cada um, com o consequente compromisso de promover os seus direitos inalienáveis” (João Paulo II, O acolhimento e a integração do estrangeiro..., p. 7). Na viagem da vida, integrados numa comunidade, os cristãos são convidados a dispensar acolhimento a todos, dando primado à escuta do outro (Outro) e assumindo-a como instância de epifania. “Escutar o outro quando ele deseja ser escutado é uma exigência ética, um acto de cortesia, mais ainda, é um acto de hospitalidade” (F. Torralba, A arte de saber escutar, p. 32). Além da escuta, também o caminho, a viagem ou itinerância se assumem como referentes da hospitalidade: sente a necessidade de ser acolhido e sabe acolher quem faz a experiência do caminho, percebe a sua existência como tal e reconhece que o mundo deixa de ser inóspito quando o acolhimento se afirma como imperativo existencial e teológico. Para além da palavra e do caminho, também a mesa é lugar de hospitalidade e espaço de revelação, porque “todo o hóspede traz como dom a narração da sua história” (M. Vetta, La cultura del simpósio, p. 126). Se todas as mesas dos lares cristãos são espaços de revelação e de aprendizagem da fé, é sobretudo na mesa da Eucaristia que tal acontece. A celebração da Eucaristia – aberta a todos os povos, de todas as raças, culturas e condições sociais – é base imprescindível para o processo da construção da identidade crente e ponto de partida para o anúncio da mensagem cristã. Reunindo gente das mais diversas procedências étnicas e culturais e preconizando um novo tipo de relações sociais, pela hospitalidade, a comunidade cristã assume-se como inclusiva, tornando-se não apenas acolhedora, mas também fonte de consolação e de cura (H. J. M. Nouwen, O curador ferido..., p. 113). Só nestes registos ela continuará a ser verdadeira comunidade cristã e a dar testemunho do que é. Não há dúvida de que é na comunidade crente que, em atitude de acolhimento celebrativo, se constrói a identidade cristã (Eucaristia) e é no regresso a ela que a identidade ferida se refaz (Reconciliação).
Autor: P. João Alberto Correia
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29 junho 2020