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A pacatez sonolenta do nosso dia a dia

Não há dúvida que a pandemia tem trazido muitas questões a nós, homens, que, como animais de hábitos, somos surpreendidos com situações como a que estamos vivendo. Nos nossos dias, contraímos um certo costume de serenidade perante a vida, porque medica e socialmente, nos sentimos mais ou menos seguros. O meio ambiente da nossa existência decorre, efectivamente, de um modo bastante tranquilo, no sentido de que existem muitos meios de tratamentos que tornam, felizmente, a maioria das pessoas, em candidata a uma longevidade notável, Todos têm o direito – creio que com raras excepções – a uma reforma dos trabalhos profissionais a partir de certa idade, e existem, ainda que com deficiências, instituições que têm a seu cargo os cuidados da nossa saúde, às quais podemos recorrer gratuita ou de uma forma económica bastante acessível. Enfim, não surge uma vertigem complexa sempre que somos assaltados por um mau estar terapêutico. Com mais ou menos morosidade, há quem cuide de mim. Certamente que todo o sistema não é impecável. Tem muitos defeitos, muitas situações que nos atormentam a paciência pela morosidade das respostas que nos dá. Pretendíamos que não fosse assim. Temos razão. Mas podemos, pelo menos, protestar e criticar. Provavelmente, não adiantamos nada com isso. Mas sempre dá uma certa tranquilidade poder dizer que “isto é uma vergonha”, “isto não funciona”. Não adianta coisa alguma? Certo. Mas o desabafo é um escoadouro de muitos nervos e de muitas impaciências. Se as entidades e as instituições, públicas ou privadas, criadas para a resolução das necessidades e exigências dos cidadãos não cobrem na íntegra os nossos anseios legítimos de plena satisfação, é óbvio que não podemos deixar de protestar. Pelo menos, podemos protestar! Mas não digamos: se isso é assim, o melhor é que não existissem. Poderá acontecer que, em certas ocasiões, nos sintamos defraudados com os benefícios dos seus serviços. Mas, porventura, ao nosso vizinho do lado vemo-lo sair renovado duma crise de saúde, ou radiante com a sentença de um tribunal público, que deu razão a uma sua reclamação, pois determinou que uma coima ou uma multa pesada que recaía sobre si não fosse validada. Não há dúvida de que a nossa sociedade, cheia de defeitos e lacunas de procedimentos, apresenta de sobeja muitos motivos para a criticarmos e desejarmos que melhore substancialmente. Mas se estas situações são deploráveis, temos uma certa garantia de que há quem trate do nosso bem estar e da nossa tranquilidade. E isto proporciona-nos uma certa paz. Contudo, parece que às vezes nos contentamos com esses meios tão frágeis para encarar o sentido da nossa vida. E calcorreamos o nosso dia a dia sem tentarmos inquirir, com real profundidade, qual é o seu sentido, o que nos leva a procurar ser honrados, a desempenharmos bem as nossas obrigações profissionais, familiares e sociais, em suma, que sentido tem a minha vida, porque é que eu vim à existência, qual é a sua razão de ser e a sua finalidade. Dizíamos que a pandemia nos sacudiu bastante e continua a surpreendermos, pois não temos a garantia absoluta de que termine com celeridade, ou não nos traga uma versão mais dura e difícil de suportar. Não a encaremos de modo simplista. Pensemos no que ela fez estremecer a pacatez da nossa sociedade. E, saindo um pouco dos temores económicos inevitáveis que se prevêem num futuro mais ou menos próximo, encaremos a fragilidade da nossa existência, levando-nos a raciocinar seriamente naquele dito de S. Paulo, numa das suas epístolas, onde observa que aqui não temos morada permanente. É uma verdade irrecusável. Mas eu encaro assim a minha vida? Ou adormeço o meu quotidiano na pacatez que me fornecem a medicina com os seus meios de cura aprofundados e os de uma segurança social que pode funcionar mal, mas me garante, mais ou menos, o meu dia a dia?
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
DM

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21 junho 2020