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Trabalho em casa

Quem quer trabalhar em casa? Eis a pergunta de muitas respostas. A casa não pode ser o único cenário da vivência. Trabalhar em casa não é a mesma coisa que trabalhar para a casa. Sair, espairecer, estar com os colegas em ambiente de trabalho é uma construção psicológica que fez um arquétipo de vida em sociedade. Em casa, a sós com o computador, mirando os filhos menores, ou ajudando com os deveres escolares dos maiores, desfoca a atenção e desvirtua a intenção. Para tudo na vida é preciso estar no ambiente certo, da mesma maneira que se não reza numa discoteca ou se dança numa igreja. A ida para o trabalho é já por si só uma alternativa à prisão familiar; o regresso a casa é por si só o reencontro com o aconchego. Uma coisa contrabalança a outra determinando ,neste modo de viver, um estado psicológico que faz com que a pessoa sinta segurança e em harmonia com o mundo. As pessoas que estão sós, em casa, isto é, sem filhos ou pais que a perturbem no trabalho, como se sentem? Penso que em solidão acompanhada. À solidão de viver sós, soma-se a solidão de trabalhar a sós. Sozinho nem Adão foi feliz no paraíso. Dizem que o rendimento de trabalho é maior quando se trabalha em casa! Admira-me que assim seja, porquanto é do caráter humano dispersar-se ou perder-se em pensamentos vários sempre que o ambiente seja silencioso: há uma dormência dos sentidos e uma predisposição para o devaneio quando não para a sonolência. O ser humano precisa de assistência para se superar mesmo que sejam muitos os apupos e poucos os aplausos. A presença física incentiva o desafio e o confronto que são essência da superação individual e coletiva; a solidão não tem recompensa porque não tem desafio. Mas há quem gostasse de trabalhar em casa. Mas é na diversidade que se encontra a policromia da sociedade. A sociedade é uma manta de retalhos, cada um de sua cor e validade. Seria uma sensaboria se fôssemos todos da mesma opinião ou gostássemos todos das mesmas coisas. Por que razão adoro a democracia? Porque ela me permite escolher o retalho a que gosto de pertencer, e ter as cores que quero, sem ser obrigado a escolher a cor dos outros. Por isso os que gostam de trabalhar em casa devem fazê-lo. É dos cânones dos tempos que passam que a tecnologia abre caminho largo para desempenhos de tarefas não presenciais. Na globalização podemos antever ser prestador de serviços internacionais sem sair de casa. Tudo isto é possível, mas nada disto serve para fazer uma sociedade de pessoas que gostam de se encontrar, conversar, concordar e discordar. Poderemos estar no limiar duma sociedade que conhece o outro, mas não aprendeu a conviver com ele. A individualização, que um trabalho tecnológico necessariamente obriga, vai produzir uma sociedade de indivíduos e nunca uma sociedade de pessoas. Basta ver como se comportam os filhos de hoje com as tecnologias da comunicação! A dependência dos jovens, somada à dependência dos adultos, vai fazer uma sociedade de umbigos. No princípio temos tudo, desde o leite materno até à noite estrelada, mas não temos o outro. E o outro é a solidariedade que o faz. E esta nunca a teremos se a não exercitarmos em nós. E não vejo como encontrá-la na solidão dos teclados tecnológicos. Então quanto ao ensino esta verdade é mais profunda. O docente conhece e respeita os ritmos da aprendizagem. São tão variados como são diferentes os alunos entre si. Se esses ritmos de aprendizagem não são uniformes, então, um ensino uniformizado por uma programação transforma-se num pronto-a-vestir. A experiência da telescola do passado, diz-nos que havia um professor na sala de aula para, precisamente, atender a estes ritmos, tirando dúvidas de apreensão, solidificando conceitos e concretizando teorias que ficaram no ar, tornando a ação do professor numa pedagogia e a aprendizagem num diálogo professor/aluno. Por isso a cibernética nunca passará de um instrumento de trabalho.
Autor: Paulo Fafe
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15 junho 2020