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EM LUGAR CIMEIRO PELAS PIORES RAZÕES

O encerramento obrigatório das creches e, agora, a sua tímida abertura pode resultar num momento ótimo de reflexão sobre o seu futuro funcionamento· pois, a sua necessária reformulação em termos funcionais, impõe-se como imperativo pedagógico, familiar e social. Senão vejamos:

Somos um pequeno e pobre país, mas há situações e circunstâncias em que nos posicionamos em lugar cimeiro, concorrendo claramente com os demais; é a circunstância já, por exemplo, de todos conhecida de sermos um dos países mais corrupto, mais preguiçoso e mais alcoólico do mundo o que nos coloca muito mal na fotografia; e ainda batemos o recorde no número de acidentes por quilómetro de estrada, no de incêndios por hectare de floresta e no de fugas ao fisco.

Pois bem, e não contentes ainda com tantas medalhas de cortiça ou seja de mau comportamento continuamos a dar cartas no que diz respeito ao tempo que as nossas crianças passam, diariamente, nas creches; pois, segundo dados recentes de entidades oficiais, estamos em segundo lugar em toda a Europa no ranking dos países que as mantêm 1O a 12 horas, ao longo do dia, em tais instituições.

Noutros tempos, a creche era uma instituição de beneficência onde se alojavam e alimentavam crianças necessitadas com idades inferiores aos dois anos; naturalmente não passavam de um asilo para essas crianças, como igualmente eram os estabelecimentos de caridade para acolhimento de pessoas pobres ou enjeitadas.

Hoje, a creche Gardim de infància ou infantário designada) é um estabelecimento educativo que recebe, durante o dia, crianças de todos os estratos sociais geralmente entre os três meses e os três anos e antes da pré-primária que acontece dos quatro aos seis anos; e, aqui, é-lhes facultado todo o apoio educativo e de aprendizagem necessário ao seu crescimento integral, ao mesmo tempo prestando às famílias e à sociedade, em geral, um complementar e benfazejo serviço.

Todavia, o tal recorde que batemos das 10 a 12 horas de permanência diária da maioria das crianças nas creches, só nos pode preocupar e constranger, pois muitas

delas, ainda de fraldas, ultrapassam, no mero de horas de trabalho, a maioria dos rJ trabalhadores do país que, por dia, trabalham, em geral, oito horas; e esta é uma clara o. demonstração da organização familiar, laboral e social em que vivemos. Mj]j

Agora, se nos debruçarmos sobre a triste realidade que, ao fim do dia, se vive a maioria dos lares, a nossa preocupação e o nosso constrangimento crescem a olhos vistos" senão, vejamos um exemplo bem elucid ativo:

/ Em casa da pequena Leonor, dois frágeis anos apenas, o dia chega ao fim e a família reúne-se, de novo, após 1O a 12 horas de ausência; e, $'o, a mãe na cozinha à roda das panelas, o pai a dar um jeito aos quartos puxando a oreÍhas à roupa das camas, o Luís a preparar na sala o teste de matemática e a Leonor enrodilhada nas saias da mãe

Mamã, colinho, colinho - e choraminga.

Nônô, agora não, a mãe tem de fazer o jantar - riposta a mãe.

Mamã, miminho, miminho, há muito que não tem miminho.

Mas logo, Nônô, ao nanar a mãe muito miminho.

Colinho, mamã, colinho- e chora e grita e faz birra.

Pois é, o futuro destas crianças com pais assim distantes e muito ausentes e, como tal, alheios ao crescimento harmonioso e integral de seus filhos, corre perigo;

sobretudo, pelos sentimentos de abandono, pelas carenc1as afetivas, pelos desvios comportamentais, pelas dificuldades de adaptação à realidade e à aprendizagem, pelo défices de atenção, pelas situações de hiperatividade e agressividade e pelos problemas psicológicos e psicossomáticos que terão de enfrentar.

Ora, tal como os lares de terceira idade, os berçários e as creches são um mal necessário; mormente em sociedades como a nossa, onde as famílias não são devidamente apoiadas ou são-no insuficientemente pelos poderes institucionais na sua função de primeiros educadores de seus filhos; como igualmente a legislação laboral constitui um entrave, mesmo uma afronta à regular e eficiente organização e funcionamento da vida familiar.

Depois, nada substitui a presença e ação dos pais nos primeiros anos de vida de uma criança; porque, mais do que tudo, ela precisa de criar, desenvolver e manter laços de relações afetivas e padrões comportamentais de qualidade só estes capazes de garantir um crescimento harmonioso e integral de qualquer criança que as 10 a 12 horas, diariamente longe da família e arrumada em berçários e creches, podem proporcionar.

(2' ._lsta dramática realidade que deve merecer dos poderes governativos e institucionais toda a atenção e procedimento legislativo de apoio às famílias.

Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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27 maio 2020