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Do outro lado da linha

Viajar de comboio mereceu textos e crónicas de vários escritores da nossa história, talvez por isso, mesmo em pleno século XXI, nunca seja descabido abordar este tema, ainda que por curiosidade. A infraestrutura é a base do sistema. Só existe oferta de serviço ferroviário, com linha, estações e terminais. É verdade que a ferrovia pode ser parte de uma solução intermodal, alargando o seu alcance. O traçado, a geometria das linhas, parâmetros como raio das curvas e rampas/pendentes, carga e tipo de material, condicionam a velocidade. Falar em via significa, abordar o relacionamento entre diversas componentes, como carris, travessas, balastro, sub-balastro, e camadas onde assentam e influenciam os níveis de conforto e serviço. O todo ferroviário exigia muitos conhecimentos em diversas áreas, incluindo formação profissional a toda uma hierarquia funcional, durante toda uma longa carreira. Alguns autores, mesmo funcionários ou ex-funcionários, vão deixando obras sobre o caminho de ferro em Portugal. O passado ferroviário vai porém sendo esquecido, ignorado, omitido, talvez porque ele era demasiado complexo num tempo de disciplina, rigor, limitações de vária ordem, que frequentemente estavam na origem de atrasos e incidentes ou mesmo acidentes e frequentes inquéritos para apuramento de responsabilidades, muitas delas atribuídas a erro humano. Portugal teve um rede ferroviário que praticamente servia todo o país, coisa que hoje deixou de ser verdade. Os nossos políticos parece terem optado pelos transportes privados e para isso investiram nas auto-estradas, ao contrário dos restantes países europeus. Curiosamente, os transportes ferroviários não praticam preços económicos relativamente aos transportes privados, que assim se tornam competitivos em alguns percursos. São os mais velhos que agora se recordam dos passeios de comboio até Monção, Fafe, Póvoa de Varzim, Arco de Baúlhe, Amarante, Chaves, Bragança, Duas Igrejas ou Barca de Alva… isto a norte do Rio Douro. São os mais velhos que nos contam histórias desse tempo, recordam acontecimentos e a influência do comboio nessas terras, algumas outrora muito povoadas. Creio que tudo vai sendo esquecido, apesar dos Museus Ferroviários e alguns livros entretanto escritos, documentarem parte da história, muito vai ficar por contar e registar, quando partirem alguns desses homens que viveram intensamente o caminho de ferro em Portugal no século passado. Comparar o passado e o presente, será sempre olhar para realidades diferentes, em contextos económicos e políticos também muito diferentes. Até o poder local, que um dia permitiu o fim o comboio nas suas terras, devia preservar a história e as vivências de diferentes gerações que o utilizaram.
Autor: J. Carlos Queiroz
DM

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11 março 2020