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A eutanásia não tem qualquer sentido cristão

Estamos a pouco tempo de os nossos deputados tomarem a decisão de aprovar a eutanásia. Não tenho consciência de que os seus promotores tenham exposto com clareza este tema nos seus programas eleitorais. Dos grupos parlamentares que propõem esta medida, creio que pode dizer-se que outra coisa não era de esperar. A sua preocupação por se lançarem por este caminho pode parecer, aparentemente, uma alta efabulação ideológica. Mas, tendo em conta o nosso país, as suas necessidades, a sua pobreza, as injustiças sociais que existem, a corrupção e tantos outros aspectos negativos, parece que tais deputados são uma espécie de nefelibatas intelectuais, que olham para a lua com ardor e se esquecem do que se passa à sua volta.

Certamente, que antes de pensar numa iniciativa destas, era necessário tentar, com todo o ardor, que o pão chegasse a todos os lares com aquela quantidade e qualidade que fizesse desaparecer a pobreza; ou, se quisermos, que todos os nossos cidadãos tivessem à sua disposição um Serviço Nacional de Saúde que cumprisse os fins justíssimos para que foi criado, não de uma forma muito carencial, mas de modo a não deixar nenhum doente com esperas intermináveis e em situações que, medicamente, podem exigir tratamentos imediatos e não adiamentos comprometedores.

Tais deputados não admitem a vida humana como inviolável e, por isso, intocável. São os mesmos que aprovam o aborto, isto é, a liberdade de uma mãe matar um filho no seu seio, como se ele não fosse um ser humano, mas uma coisa incómoda ou inconveniente que, a continuar a sua evolução, iria transtornar “terrivelmente” a situação da progenitora, ou do seu agregado familiar, quando existe. Assim, tem o direito de o exterminar. A eutanásia, auto-determinada ou, como nos nossos dias acontece nos países em que ela já vigora, por decisão da vítima mais ou menos inconsciente soprada pelos seus familiares, é, ao fim e ao cabo, a concretização da relatividade de uma existência humana. Quem a possui é um ser que pode decidir viver ou não viver, matar-se ou não matar-se, consoante as coordenadas que convêm de momento a quem decide, ou de quem, subrepticiamente, como se referiu há pouco, não deseja a continuidade da sua vida e sugere essa possibilidade como a melhor solução.

É por estas e por outras que, também, de vez em quando, nos nossos hospitais, andam perdidos, sem capacidade de se identificar ou de fornecer qualquer indicação sobre si ou sobre o que quer que seja, anciãos totalmente caquéticos, que alguém ali abandona, para que outros tratem deles, já que a sua presença num lar é uma “chumbada” intolerável para os seus familiares.

Todas estas situações abomináveis, não podem ser aceites e, muito menos, vividas por um cristão. Porque a vida humana não é um acaso, nem uma surpresa indesejável, resultante de um contacto de intimidade recreativa entre um homem e uma mulher. Quando um novo ser surge entre nós, traz uma intenção divina: a de, quando terminar a sua passagem terrena, possa experimentar de modo irreversível a felicidade perfeita, que é o Céu.

Ora, quando Deus deseja e quer um novo ser, cria-o, certamente com a colaboração humana, que Ele mesmo possibilitou ao dar origem ao homem e à mulher como seres sexuados e procriadores. Ninguém nasce por acaso, mas por vontade do Criador, por mais complexas que possam contornar as circunstâncias que originaram o novo ser.

A morte, no sentido cristão, não é uma catástrofe, nem o fim definitivo de quem deixa de viver. Ela corresponde a um chamamento divino para a referida felicidade celeste, que o homem, porém, porque é livre, pode recusar. O mesmo amor de Deus que presidiu à criação de um novo ser, está patente no momento em que a existência terrena termina. Ela não é um fim absoluto, nem um acontecimento nefasto ou sem causa. Mas o encontro amoroso com Quem deseja a sua completa ventura. Deus, costuma dizer-se, sabe mais. Por isso, o momento de morrer é o melhor para quem o experimenta, porque corresponde ao chamamento misericordioso que Deus escolhe para uma criatura sua, concreta e perfeitamente determinada, a quem ama como ninguém e a quem, do mesmo modo, como ninguém a conhece. Trouxe-a à existência, insiste-se, para a tornar inteiramente feliz. A imortalidade da sua alma é mais um indício claro dessa realidade. Nesta ordem de ideias, a eutanásia é sempre um absurdo repugnante.


Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
DM

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15 fevereiro 2020