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Renascença é Nossa

Corria o mês de Agosto de 1975. Portugal estava no período que ficaria para a História como o do “PREC” e do “verão quente”, o país próximo de uma guerra civil na sequência da tentativa de imposição pelas armas da sovietização do país. O PCP, o seu satélite MDP/CDE e forças da extrema-esquerda não se conformaram com a derrota nas eleições para a constituinte de 1975, onde os dois partidos apenas obtiveram, respetivamente, 12% e 30 deputados e 4,1% e 5 deputados, numa Assembleia constituída por 250 deputados. Não iriam perder pelo voto democrático o que ganharam na intentona de 11 de março, acreditavam.

Em Braga ainda não havia edil eleito pelo povo, isso apenas aconteceria um ano mais tarde. Creio até que ao Ilustre advogado bracarense e meu patrono Artur da Cunha Coelho, fundador do Partido Socialista, que haveria de ter como estagiários insignes personalidades como Miguel Macedo, ex-deputado na AR e ex-ministro do PSD, Pedro Bacelar de Vasconcelos, ex-governador civil de Braga e deputado na AR pelo PS e o advogado António Cunha, não teria ainda ocorrido o nome de Mesquita Machado para concorrer à presidência da Câmara.

No domingo, dia 10, daquele agosto, sabíamos em casa que não seria dia de ir à praia após a missa. Estávamos todos convocados para a manifestação em Braga contra a ocupação da Rádio Renascença (RR), que havia ocorrido em finais de maio desse ano, em circunstâncias não totalmente claras, mas certamente com o apoio de Otelo Saraiva de Carvalho e por fações leais ao primeiro ministro extremista Vasco Gonçalves, integrada num movimento mais amplo de nacionalização de toda a comunicação social.

Então com 11 anos de idade lembro-me de aceder à manifestação com os meus irmãos e pais junto à Senhora-a-Branca, perto do local onde hoje resido e de ter feito aquele que é o meu atual percurso quotidiano pela avenida central até junto ao Banco de Portugal. Estavam cem mil pessoas na manifestação, um número impressionante.

Recordo-me de atravessar a Rua dos Capelistas e entrar na residência do meu avô, no prédio onde está atualmente instalado o Banco Santander. Das palavras de ordem lembro-me de uma, “Renascença é Nossa”, “Renascença é Nossa”, que eu e a multidão bradávamos repetidamente.

De ir à Sé já não tenho memória, sei que ficou famoso o discurso do Arcebispo D. Francisco Maria da Silva, “…Dum lado, uma minoria, contra a vontade do Povo…” e no qual sublinhou a oposição da Igreja Católica à projetada nacionalização dos órgãos de informação. Mas lembro-me perfeitamente de estar no topo nascente da Praça Conde de Agrolongo, da qual o meu pai e tios não quiseram sair e eu ao pé deles.

É que existia ali a sede do partido comunista, a família tinha aí umas lojas de vestuário, o “Trajo” e o meu avô era ainda o proprietário de um prédio onde estava instalada a Pensão Oliveira, atualmente um balcão do Millennium BCP e nos 2.º e 3.º andares o Tribunal de Família e Menores de Braga. Os ataques à sede e resposta sucediam-se e, ficando as propriedades perto da mesma, havia o avisado receio que pudessem ser afetadas.

O resto é História, a sede do PCP acabou incendiada e nunca foi reconstruída. Hoje é uma abertura que permite a ligação direta entre o Campo da Vinha e o Largo S. Francisco. No dia seguinte as lojas não abriram, mas no dia 12 já estavam em funcionamento, sem problemas. O povo é sereno como diria Pinheiro de Azevedo, eleito primeiro-ministro um mês depois. O 25 de novembro recuperou a democracia e em dezembro desse ano a RR foi definitivamente devolvida à Igreja.

Este longo testemunho vem a propósito do encerramento da Rádio Sim. Confesso que fiquei sensibilizado com o depoimento de Carlos Aguiar Gomes na edição deste jornal de 9 de Janeiro. A Rádio Sim era uma voz das dioceses entre os mais idosos e desfavorecidos. Estes precisam de alimento e conforto espiritual. A Hierarquia da Igreja saberá encontrar outras soluções, como sempre. Mas aqui não podem valer critérios estritamente economicistas. A voz da RR é de toda a comunidade cristã, que a soube defender quando foi preciso.

Deixem-me repetir quase 45 anos depois: a Renascença é Nossa!


Autor: Carlos Vilas Boas
DM

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20 janeiro 2020