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Carta Aberta à Maria, ao João à Zé…

Queria antes de mais pedir desculpa pelo meu mau jeito de escrever cartas, mas pertenço a uma geração que desaprendeu a escrevê-las, porque, aparentemente, o tempo em que elas faziam sentido deixou de pertencer ao quotidiano, resumindo-se a um hábito de poucos. Queria pedir desculpa também pela imbecilidade com que transformamos rapidamente, em sínteses telegráficas, os nossos sentimentos, que depois apagamos ou esquecemos. Talvez um pouco mais de consciência tivesse feito bem, mas, como devem saber, somos culpados por ter transformado o tempo numa equação aritmética, negando-lhe o direito a ser Tempo a tempo inteiro. Maria, João, Zé, hoje escrevo esta carta, em tom de mea culpa, consciente e profundamente grato por, sem o afirmarem, terem conseguido com que me sentisse estúpido e imbecil, ao mesmo tempo que injetaram uma dose de esperança e nos obrigaram a tomar decisões. É com profunda humildade e uma aureola de responsabilidade, que revejo a asneira: graças à minha geração, vocês perderam o direito ao Tempo e tiveram de vir para a rua reivindicá-lo para terem um espaço e idade para serem felizes, a terem um futuro. Infelizmente, hoje, não ontem, são obrigados a repensar a Vida de forma retalhada, a esmiuçar a sustentabilidade como se ela representasse o dia e a noite. Sinto-me pequenino perante a forma zangada como olham para mim e para a minha geração e só posso dizer que têm toda a razão e também sei que isso não chega para resolver o problema. Estamos sem tempo e a culpa é nossa porque nos limitamos a roubar-vos algo que era vosso por direito próprio e que deveria ser nosso, soubéssemos cuidar dele.

Escrevo esta Carta porque a vossa angústia, o vosso apelo e a vossa esperança são o que me resta para enfrentar a realidade que ajudei a escamotear, de forma consciente ou não, mas perdulária, perante tantos desafios que a minha geração foi ignorando. Sei que a vossa atitude na rua, a vossa palavra no púlpito das irmandades que governam as Nações, os territórios, as cidades, as aldeias, equivalem a um grito de Basta, a uma disponibilidade de exigência para fazer diferente e, por isso, aqui estou, para vos agradecer por terem sabido acender de novo a chama da Esperança e me darem uma segunda oportunidade para corrigir tanta injustiça cometida ontem e hoje. Só vos peço que aproveitem a oportunidade para que a injustiça do Tempo que vos traiu e se espelha perante todas as outras injustiças que a minha geração vos causou, não deixe para trás, os que, não tendo culpa, não conseguem ser o que desejam simplesmente porque são pobres, os que procuram o conforto condigno num teto cada vez mais difícil de almejar, ou os que não gostariam e tem de estender as mãos para chegar a um prato de sopa. Sei que a vossa magnificência não tem limites e até pode ser estropiada por aqueles que, na minha geração, rejeitam a realidade dos outros e vendem a sua como única. Sei tudo isso e por isso escrevo esta carta em jeito de apelo para que não parem, não aceitem e exijam que façamos diferente. Os que escrevem, criticando, os que falam, esperneando, os que demandam, sem sentido, não serão capazes de se sobreporem á vossa força, à vossa consciência e à vossa vontade. Sei que é pouco, mas escrevo esta carta para vos pedir e para vos dizer que estou do vosso lado para ajudar a corrigir o Tempo dos homens sem consciência, sem coragem, sem escrúpulos.

Espero encontrar cada um de vocês a bater à porta da consciência humana dos que hoje lutam pelo poder de continuar a ser imbecis. Estarei na primeira linha do combate para que não vos falte coragem, nem palavras, nem capacidade para eliminar a arrogância e a inconsciência. Sobretudo, creiam-me, um enorme devedor por me terem devolvido a felicidade e a esperança por ver uma geração como a vossa, ser hoje capaz de dizer Não. Obrigado.


Autor: Paulo Sousa
DM

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8 dezembro 2019