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Gato Francisco transforma vidas de felinos e de humanos

Gato Francisco transforma vidas de felinos e de humanos
Fotografia

Publicado em 04 de novembro de 2019, às 17:27

O Gato Francisco já salvou e encaminhou para a adoção cerca de 250 gatos, transformando as suas vidas, mas também a dos humanos que com eles se têm cruzado.

Num dia de chuva, Cláudia Sousa não ficou indiferente a um gato molhado e doente que se tentava abrigar numa paragem de autocarro. No Dia de S. Francisco de Assis, a 4 de outubro de 2009, este «confrontar com a realidade» dos gatos abandonados fez germinar a ideia de um projeto especificamente pensado para felinos, mas que apenas veio a ganhar corpo seis anos depois, em Braga. Desde a infância que Cláudia gosta de gatos, tendo colaborado como voluntária no canil/gatil. Foi, no entanto, este gato, que se viria a chamar Francisco, numa alusão ao padroeiro dos animais, que esteve na origem de uma resposta direcionada para os felinos. «O gato é preterido em relação ao cão, porque ainda há um conjunto de ideias erradas sobre o animal gato», explica ao DM. O Gato Francisco – Natureza e Cultura surge com um modelo de atuação que passa por resgatar gatos, providenciar tratamento veterinário, no caso de ser necessário, e fazer o encaminhamento para famílias de acolhimento temporário (FAT) ou para adotantes.  Com um conjunto de cerca de dezena e meia de famílias de acolhimento, o projeto dispensa as tradicionais boxes dos gatis. Esta é uma forma «mais humana» de lidar com gatos frágeis, alguns em recuperação de graves problemas de saúde, que assim são permanentemente monitorizados e acarinhados. Por outro lado, os mais esquivos começam o processo de socialização, numa preparação para quando surgir uma família que os queira adotar. A página do Gato Francisco no Facebook, que reúne mais de 12 mil pessoas, é o elemento central de divulgação dos gatos que precisam de uma família de acolhimento ou que estão na lista de espera para adoção, assim como de angariação de verbas para custear os tratamentos médicos. O que se vê na página é, no entanto, uma ínfima parte do trabalho que é levado a cabo, que inclui a seleção dos candidatos e o acompanhamento permanente de todos os casos, mesmo depois de concluídos os trâmites da adoção. Para cada gato é aberta uma conversa no Messenger, que pode envolver várias famílias, consoante a complexidade da situação. «Paciência» e «resiliência» são duas palavras usadas para definir estes processos, que podem durar vários meses, como o caso da July, uma gata que foi deixada num apartamento e acabou por ser adotada pela nova inquilina. Quando a dona teve de deixar o país e não a pôde levar consigo, ficou numa família de acolhimento. Foi depois adotada por uma família, mas a gata que já lá morava, também adotada, não a aceitou. Voltou, então, para uma FAT, até finalmente ser adotada pela Alda e pelo Miguel. «Este não é um projeto de gatinhos. É um projeto de pessoas que gostam de gatos», refere a responsável, lembrando a felicidade de António, um idoso em cadeira de rodas, quando a cuidadora, Palmira, chegou a casa com o Bambino, um gatinho bebé amoroso. Em relação ao “segredo” para o bom funcionamento do projeto, Cláudia Sousa aponta a «simplicidade» dos procedimentos e a ausência de uma infraestrutura pesada. A prioridade não é, por isso, ter instalações próprias. «Se tivéssemos mais famílias de acolhimento, conseguiríamos ajudar mais gatos», afirma.

Quando se ama há sempre espaço para mais um

O amor de Ana Gabriela Sampaio pelos animais já vem de família. Há dois anos, os gatos da mãe foram passar as férias a sua casa e a filha mais nova encantou-se pelos felinos. Decidiram, então, adotar um gatinho. Ana Gabriela conhecia o Gato Francisco, por isso recorreu ao projeto para arranjar um gato bebé, em dezembro de 2017. A Bli acabou por morrer em abril do ano seguinte, devido a uma virose.  Veio, depois, a Kitty, uma gata preta muito carinhosa, que se tornou companheira inseparável de Luísa, a caçula da família. Enquanto a menina bebe o seu leitinho ou enquanto lava os dentinhos, lá está ao lado, sempre atenta, a gata. De vez em quando, não resiste a uma lambidela na sua pequena dona. «Tem a língua áspera», diz Luísa a rir-se.  À Kitty acabaram por se juntar a Mimi, o Gui e o Riscas. Ana Gabriela não resistiu a voltar a ajudar quando foi encontrada uma gata prenha, que não tinha onde ficar, oferecendo-se para ser FAT.  Como a Josefina estava muito assustada aquando do resgate, e por isso um pouco hostil – como é normal em situações de stress –, foi temporariamente acolhida na garagem para não assustar os gatinhos residentes na casa. Com o tempo, a gata começou a ganhar confiança e, aos poucos, a ficar mais dócil e sociável, e assim mais preparada para a adoção. Com bom humor, esta família diz que, durante a noite, há partidas de futebol de gatos contra gatas tal é a agitação.  A logística para lidar com os gatos obrigou a algumas inovações na decoração da casa: por exemplo, um arranjo floral foi substituído por uma cama para os patudinhos. O gosto por animais também contagiou os filhos mais velhos de Ana Gabriela e José Pedro, que já resgataram um gato que foi encontrado perto do Externato Carvalho de Araújo. Carolina e José Miguel confirmam que gostam de animais e que é uma animação ter uma família numerosa. «Não há muito descanso quando se tem uma família grande. Tudo tem de ser muito organizado, mas não há maior felicidade do que esta», afirma Ana Gabriela.

Sabonetes ajudam a angariar verbas

Para além da adoção de gatos, Ana Gabriela Sampaio, licenciada em Farmácia e dona de uma parafarmácia, decidiu ajudar o Gato Francisco com a criação de sabonetes artesanais, cuja venda reverte para o projeto. «Gosto de ajudar, mas não tenho tempo para ir para o terreno participar nas capturas. Por isso, juntei o trabalho que faço com todo o prazer ao projeto, com a criação dos sabonetes com a forma de gato», refere. O processo de fabrico é 100 por cento artesanal, com glicerina de boa qualidade, sendo que os sabonetes podem ser utilizados em todo o corpo, incluindo o rosto. Os sabonetes podem ser oferecidos como lembranças de casamentos e batizados. Na calha estão novos modelos. Os sabonetes podem ser adquiridos através da página do Gato Francisco e em parceiros que se associaram à iniciativa: Realfarma, Real Hospital Veterinário, 4 Your Pet, Mercado das Viagens (Minho Center), Centro de Estética Susana e Centro de Estudos Sílabas Frenéticas.

Comunidade brasileira empenhada na causa do bem-estar animal

Laís Barros e Raphael Pinheiro ainda tinham chegado há pouco tempo a Braga oriundos do Brasil quando viram um apelo na Internet que os fez estremecer. Uma conterrânea tinha de regressar ao Brasil e precisava de uma família que acolhesse o seu gato porque o processo burocrático com as vacinas o impedia de embarcar.  Mesmo sem saber qual seria o custo de manter um gato em Portugal, Laís disponibilizou-se para ajudar. Este era, afinal, um caso que estava a ser tratado pelo Gato Francisco. A família brasileira partiu sem o Miko, mas o projeto liderado por Cláudia Sousa tratou de completar as vacinas, obter o documento necessário para o embarque e conseguir um voluntário para levar o felino no avião. Com este caso encaminhado, Laís e Raphael abordaram o Gato Francisco sobre os trâmites para a adoção. Advogada, Laís estava preocupada com a questão legal, uma vez que os documentos de residência ainda estavam a ser emitidos. Do outro lado, veio uma pergunta direta: se voltarem para o Brasil, o que é que vão fazer ao gato? A resposta surgiu com naturalidade: a partir do momento em que for adotado, faz parte da família e onde for um vão todos, porque não se deixa ninguém para trás.  Laís e Raphael encantaram-se por duas gatinhas, que foram encontradas na rua, em locais diferentes, mas que se tornaram inseparáveis desde o momento em que se juntaram. Pensaram em esperar mais algum tempo, mas o coração falou mais alto. Para casa, levaram a Francisca, tímida, e a Melanie, atrevida e carinhosa.  A decisão não podia ter sido mais acertada. Como a jurista e o informático trabalham em casa, paralelamente aos estudos na Universidade do Minho, as duas gatas fazem companhia e são fonte constante de animação.  Raphael sublinha, no entanto, que é preciso «adotar com responsabilidade» porque ficar com um animal também implica uma série de obrigações, como cuidar da sua alimentação, das vacinas, proporcionar-lhe um espaço adequado e dar-lhe atenção. A responsável pelo Gato Francisco refere que Laís e Raphael são um bom exemplo do «envolvimento crescente» da comunidade brasileira a residir na região com a causa do bem-estar animal. Este casal já participou, aliás, no resgate de cães que estavam abandonados.   «Verificamos uma grande sensibilidade e assertividade na resposta», constata Cláudia Sousa. A plataforma «está também a funcionar como forma de intervenção e integração social», na medida em que promove o contacto entre as pessoas, acrescenta.

Ideias erradas dificultam a adoção

Cláudia Sousa refere que a persistência de ideias erradas sobre os gatos faz com que haja casos de abandono. Esses pensamentos também dificultam a adoção dos animais. A responsável pelo Gato Francisco rebate alguns dos mitos mais frequentes, referindo que, ao contrário do que se diz, os gatos habituados a estar em casa ficam desorientados quando são abandonados na rua, não conseguindo encontrar alimento. Da mesma forma, não é verdade que os gatos não conhecem o dono ou são agressivos para as crianças. Cada gato tem a sua personalidade, havendo os mais esquivos e os mais carinhosos, mas normalmente os gatos que são recolhidos da rua ficam gratos por terem sido salvos. Em relação às questões de saúde, no caso da gravidez, há que ter cuidados de higiene, mas tal não significa, necessariamente, que uma grávida não se possa cruzar com um gato.  No tocante à cor, ainda se verifica o estigma infundado relativamente aos gatos pretos.

«Acolher implica assumir a responsabilidade de cuidar»

O Assis tem um nome simbólico: foi encontrado no passado mês de junho num estado em que necessitava de uma proteção especial do padroeiro dos animais.  Com um historial de ajuda a animais, Andreia Torres encontrou o gato maltratado e não ficou indiferente. «Via-se que estava a sofrer. Já nem miava. Estava parado à porta daquela que deveria ter sido a sua casa, mas era enxotado», conta.  Deu-lhe de comer e pediu ajuda ao Gato Francisco. O felino foi, então, resgatado e levado para o veterinário. Para além de estar muito magro, tinha o dorso em carne viva e um olho magoado. Não havia muita esperança.  Assis revelou-se um lutador muito meigo. Depois de duas semanas internado, teve alta e foi para casa de Luísa Sá Machado, que aceitou ser família de acolhimento temporário. No apartamento, Assis encontrou a Snow, a gata que Luísa já tinha adotado através do Gato Francisco. Assim se cruzam as histórias de dois felinos, que demonstram a paixão que Luísa tem por gatos. Depois da morte do gato que a acompanhou nas viagens de Braga para o Porto, durante os três anos em que estudou na Invicta, Luísa ficou com vontade de adotar outro felino.  Com a mudança de casa, veio a decisão de ficar com a Snow, que foi resgatada na Noite Branca de 2018. «Disse que estava disponível para ser família de acolhimento, caso fosse necessário, mas queria um gatinho bebé, para ser mais fácil a adaptação da Snow», refere. Perante o caso do Assis, Luísa não conseguiu recusar. O estado de saúde do gato exigia cuidados: medicamentos e a limpeza de um olho. O gato acabou por ter de ser operado para remoção do olho ferido, da maior parte dos dentes e para ser castrado.  A recuperação continuou e o Assis foi, entretanto, adotado pela Jessica e pelo Carlos. Luísa faz um balanço positivo desta experiência, que a obrigou a fazer curativos a um gato que a alguns certamente provocaria repulsa. «Não vale a pena adotar ou ser família de acolhimento se não é para cuidar dos animais. A partir do momento em que se toma essa decisão, tem de se assumir a responsabilidade de tratar deles», alerta a jovem.

«Nunca mais chorei»

Glória Silva teve durante 18 anos a companhia do gato Tico. Com a morte do felino, a tristeza tomou conta da sua vida. «Não havia dia em que eu não chorasse. O Tico era um gato muito inteligente, que só lhe faltava falar. Sentia muito a falta dele», conta. Depois de ter acolhido um gato durante duas noites, que acabou por ser levado de volta pela dona, Glória pediu ajuda ao Gato Francisco para encontrar um novo patudinho. Tinha de ser um gato adulto, sossegado, que gostasse de estar no sofá a ver televisão e de dormir aos pés da cama. Após um compasso de espera, foi encontrado o Kiko, abandonado em Real. Glória recebeu-o com alegria. «Nunca mais chorei», garante com um sorriso rasgado. Glória afirma que tanto disse que não queria um gato bebé que a vida acabou por lhe trocar as voltas. Já após a adoção do Kiko, ouviu um gato a miar dentro de um carro. Depois de aberto o capot, lá estava uma bolinha de pêlo cinzento, a miar. Não hesitou. Recolheu-a e levou-a ao colo para a Pastelaria Maximinense, estabelecimento que costuma frequentar, onde lhe ofereceram leite para matar a fome à Mia. No início, Mia atirava-se ao Kiko, mas passado o período de adaptação começaram a dar-se bem. «Durante a noite, é uma correria louca», relata. Sublinhando que «os gatos são uma grande companhia», Glória confessa que não entende as pessoas que «são más para os animais». «Não sei como é que há pessoas que têm coragem de ser tão selvagens para os animais. Sou pobre, mas os meus gatinhos vão ter sempre o que comer e o que beber», assegura.  

Filme de animação apela à adoção

O Gato Francisco lançou domingo um curto filme de animação de apelo à adoção.  Criado pela empresa GEN Design Studio numa lógica de responsabilidade social – pro bono –, o vídeo, com cerca de 50 segundos de duração, narra um paralelismo entre a vida de uma rapariga e de um gato abandonado e como ela, quando os dois fortuitamente se cruzam, não se deixa vencer pela indiferença e o adota num gesto de compaixão para com o animal. “Vença a indiferença. Alimente a sua alma.” é, pois, o mote do filme, que pretende também alertar e sensibilizar a sociedade para uma triste realidade chamada abandono, em especial numa época em que a chuva e o frio já chegaram.
Autor: Luísa Teresa Ribeiro