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Um Consistório das periferias

Consistório é a assembleia do Papa com os cardeais, no caso para que os 13 que ele anunciou, de surpresa, no Angelus de domingo, 1 de Setembro, serem elevados à dignidade do cardinalato para mais estreitamente colaborarem com o Papa nas tarefas ingentes do governo da Igreja Universal.

Dos 13 escolhidos, 10 são cardeais eleitores de um futuro conclave. Com as nomeações já feitas pelo Papa Francisco, os cardeais eleitores provêm de 69 países, quando até há 6 anos, provinham de apenas 48 países. Já são 67 os cardeias nomeados por Francisco.

Tive ocasião de ver em diferido a cerimónia de imposição das insígnias: barrete e anel, escutar o discurso de Miguel Ángel Aiuso, da ordem dos combonianos, Presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Interreligioso e arcebispo de Rabat (Marrocos), o primeiro a ser anunciado pelo Papa em 1 de Setembro. Numa dicção claríssima, incisiva e sentida, assinalou que a escolha do Papa tinha recaído em bispos de todas as partes do mundo, para partilhar a missão do Bispo de Roma. Realçou que a vocação eclesial é antes de mais um serviço aos irmãos e à Igreja, que se deve distinguir pela humildade e a gratuidade sem fim.

Ayuso serviu-se das palavras de um arcebispo de Sevilha, diocese de onde ele é natural, D. Bartolo, que, ao re ceber em 1905 a carta a anunciar-lhe a elevação ao cardinalato, pediu para transmitirem ao Papa: «Santo Padre: não sei fazer grandes coisas, mas sacrificar-me-ei pela Igreja e pelo Papa como me sacrifiquei pelos fiéis da minha diocese». Assinalou ainda Ayuso que este é o consistório dos Religiosos que se distinguiram pelo carácter missionário. Recordou a 'Maximum Illud' de Bento XV, há 100 anos, e a feliz iniciativa do Papa Francisco em declarar este Outubro um mês missionário extraordinário.

Sintonizou perfeitamente com o Papa ao falar de uma Igreja em saída, empenhada no diálogo ecuménico e inter-religioso; uma Igreja empenhada em processos de promoção da fraternidade, paz e comvivência comum. Pediu a Deus que desse aos novos cardeias um coração compassivo. E disso mesmo falou o Papa na homilia, ao realçar que a palavra-chave do evangelho é a compaixão pela pessoa sofredora. É a atitude do coração de Deus que, em Cristo, incarnou a misericórdia divina. Jesus vai procurar as pessoas descartadas da e pela sociedade. Jesus mostra-nos que o que é divino é compassivo. E os discípulos mostram muitas vezes agir sem compaixão. Perante os que estão sofrer, facilmente lavam as mãos ou dizem que 'se desenrasquem'.

Partindo da cena do Bom Samaritano, e tendo em conta a atitude do sacerdote e do levita, Francisco disse que, quando o homem de Igreja se preocupa mais com as formalidades e o ritualismo que em curar as chagas dos marginalizados e abandonados, se torna um mero funcionário. E esta é a pior saída. Nós somos sempre precedidos e acompanhados pela misericórdia divina. Quem não sente sobre si a compaixão de Deus e não vive a consciência da compaixão de Deus por ele, não a pode comunicar. Sem a experiência da compaixão recebida e de a viver, nenhum homem de Igreja pode ser leal à sua vocação mais profunda. Por isso exortou: «Peçamos a graça de um coração compassivo».

Acabado o consistório, os 13 novos cardeais, acompanhados pelo Papa Francisco, foram visitar o papa emérito Bento XVI.

Quase nada disto pude ver reflectido nos nossos meios de comunicação social. Pior: olham para o cardinalato mais como uma distinção, uma honra, uma elevação, do que como um serviço de entrega total, até ao derramamento de sangue, se tal for necessário.

Do nosso cardeal Tolentino, retiro dois pensamentos da entrevista que concedeu ao 'Avvenire' em 7/10. Questiondo sobre o que a sua poesia podia receber da púrpura, isto é, do cardinalato, ele respondeu: «A poesia, por natureza, mais que acrescentar, subtrai, pois desnuda e esvazia. O maior dom que a poesia me deu foi o esvaziamento, a profunda necessidade de escuta, de encontro. A púrpura trará à poesia uma tradição extraordinária de Palavra e de escuta, de humanidade e de fé, o que seguramente me enriquecerá como poeta».

Referiu ainda que a maior sede do homem contemporâneo é a sede de Deus, uma necessidade de sentido, de verdade, de beleza e de bem. E é com esta sede que a Igreja está hoje chamada a dialogar, de uma forma cordial, para interpretar e dar resposta àquilo que, no fim de contas, é um desejo espiritual».

Do grande Pasolini diz ter aprendido que há um progresso que se torna retrocesso, porque tenta eliminar toda a diversidade, quer linguística, quer no modo de viver. Por isso acrescentava que o mais moderno é sempre o povo. «E compreender isso constitui um importante desafio para todos nós». Isto torna mais claras as palavras do Papa a ele dirigidas: «Tu és poesia».


Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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12 outubro 2019