twitter

Cinco mortes antes do Outono

  1. O previsível “fluvial naufrágio” e a órbita da Terra).Hoje, venho para aqui falar da Morte. Mas glorificar, também, pessoas e seres que já viveram, neste mundo, a 1.ª fase das suas existências. Isso poderá parecer estranho, sobretudo agora que, tal como foi em Maio, o tempo voltou a aquecer e sabia bem, era ir à praia ou ao campo e comemorar a existência e a Vida. Recordo contudo, que o dia mais longo do ano já ficou bem para trás, em 22 de Junho; altura em que a gravidade do Sol finalmente vence o impulso de afastamento da Terra na sua órbita; e a curva elíptica desta se acentua e a vai puxar para trás e para uma distância maior; facto que, ajudado pela constante ligeira inclinação do eixo da Terra, nos levará dentro em breve, aos frios do Outono e do Inverno. E aí sim, seria uma altura mais apropriada para o tema da Morte. De Política, contudo, de “fluviais naufrágios”, de “crónicas de mortes anunciadas” (cf. Garcia Márquez) é que, desta vez, não vou falar…

  2. A morte duma pêga, já famosa neste jornal).Fiquei bastante impressionado quando, no pequeno jardim da minha casa, deparei certa manhã de Junho com o cadáver semi-digerido de uma pêga. A qual suponho ser um dos membros do casal que, aqui no DM (no meu trabalho de 26-6-2018, “O Nacionalismo, nas pegas e nas selecções nacionais”) citei como exemplo de patriotismo, unidade e coragem. Agora, há uma nova lição a aprender: o excesso de confiança, a displicência, o acreditarmos inocentemente nas boas intenções dos outros, o espírito beirão do “entre; quem é?” só levarão ao desastre. Mesmo que esse desastre “se limite” às devastações multilaterais de futuras, óbvias e vitoriosas (?) guerras de defesa.

  3. A morte do solicitador Paulo Sá Delgado).Dono de uma pequena imobiliária e meu conhecido há cerca de 10 anos, era natural de Moncorvo. Teria pouco mais de 50 anos; com um aspecto herdado de seculares aristocracias do Levante e uma integridade profissional hoje bem rara. Há 3 anos tivera, apesar de ser magro, um princípio de AVC, do qual parecia estar a curar-se quase totalmente; em 2017 a sua vinha e sobreiros, na freg.ª de Cabeça Boa, arderam na totalidade, o que o revoltou particularmente; anos antes, a barragem da foz do Sabor também roubou parte da quinta de seu tio Altino. Através da sua agência, imaginem, tornei-me há tempos (e por cerca de 4 anos) senhorio duma jovem artista plástica, Mafalda Santos, a filha do ministro socratista das Finanças, num prédio do Porto, em Cedofeita. Improváveis relações com Moncorvo e Freixo, que acontecem na minha família. Já uma minha bisavó paterna oliveirense, M.ª das Dores, fora, num colégio do Porto, amiga íntima da filha de Guerra Junqueiro. E a minha mãe, nos verões de Espinho, conviveu nos seus círculos de amizade juvenil, com os futuros médicos dr. Tenreiro e o dr. Urgel Horta, ambos de Moncorvo.

  4. A morte, aos 97 anos, da folclorista Isabel Calejo).Algo morena, magra, alta e com marcado aspecto de patrícia romana, era minha parente de sangue através do seu trisavó Manuel (1792-1861), que foi um dos (bem poucos) “bravos do Mindelo”. Este era o mais velho de 9 irmãos, sendo um seu irmão mais novo, o meu tetravô J. J. da Costa Nunes, soldado liberal. Todos eram nascidos na “casa de Figueiredo”, em Santiago, Oliv.ª de Azeméis. E alguns deles viveram no Rio ou na Bahia, onde tiveram descendência. D. Isabel Maria foi fundadora e por 5 décadas dirigente do famoso “rancho de Cidacos”, que em 2010 recebeu o Óscar Mundial de Folclore. Seu avô materno foi o meu parente dr. Amador Valente (1871-1947), monárquico, advogado em Lisboa e coleccionador de Arte (dono de vários Van Dijks e Jordaens…). D. Isabel Mª, coimbrã pela parte do pai (de Condeixa), nunca teve lá muita paciência para me aturar (por algum atavismo ou pela idade avançada) apesar de eu ser outro folclorista inveterado. Era viúva do juiz-conselheiro mogadourense Enes Calejo (protector dos meus estudos em Lisboa e Coimbra), cuja pagela funerária trago há 19 anos na carteira. O casal, sem filhos, era padrinho duma irmã de J. P. Aguiar Branco, advogado e ex-ministro, apoiante do Barrosismo e outras causas misteriosas.

  5. A morte de Frei Bernardo Domingues).Dominicano, notável professor, geresiano (e irmão de frei Bento Domingues), aquele eclesiástico era confessor e muito amigo de meu irmão, que por anos foi um dos seus médicos. Ainda no ano passado, no funeral dum meu sobrinho, A. Alexandre, precocemente falecido nas Antilhas (cf. meu trabalho, no DM, “Duas trasladações improváveis”, de 4-9-2018), o tão cristão e tão sábio frei Bernardo dizia: “mas por que é que Deus não me levou antes, a mim?”.

  6. A morte de Roberto Leal).Quis o “Destino” que em 2002 eu, o mais telúrico mas absentista dos proprietários, comprasse um terreno em Morais (MCDV) a um tal sr. Fraga (e a outros); sendo este, um primo de Roberto Leal. Quis o “Destino” que, no dia da morte do judeu russo-francês Léon Poliakoff (em cujos livros tanto aprendi sobre a alma e a História dos judeus e sobre a sua conturbada relação com os povos europeus), eu circulasse de automóvel na antiga IP4, a chegar a Macedo de Cavaleiros e no meio duma baça nevoeirada. E quis o “Destino” que, no momento em que a Rádio anunciava o decesso, o céu se abrisse e (como é costume nestas situações) logo ficasse azul e com o sol a brilhar. Manuel Ant.º Fernandes (paulista, claro), as suas portas foram abertas no famoso “show” de “seu Chacrinha”. Não muito culto mas com um fabuloso instinto e intuição, algumas das suas interpretações são de grande valor. Nunca ouvi, aliás um “Alma minha, gentil, que te partiste” tão bem musicado e cantado com tanto sentimento. Vivam contudo o planalto, os carrascos (azinheiras) e a Sobreda, terra de neve e de calor. Viva o sr. Alex (que mora agora em Zamora), o falecido e rico Félix Borges, o sr. Teixeira e todos os vizinhos.


Autor: Eduardo Tomás Alves
DM

DM

1 outubro 2019