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As nossas festas e a diversão…

Passaram as férias de Verão. Como sempre o nosso Minho, verdejante e florido, aparece cheio de romarias e engalanado de festões e bela decoração, despertando transeuntes, devotos e turistas, que olham, surpreendidos pelo ruido, feérico e alegria que se expande, trovejando foguetes, guitarras, fanfarras, bandas de música, tambores e até discotecas, que se prolongam até altas horas da noite, com juventude e concertos de DJ.

Normalmente são as festas em honra de Maria: Senhora de Antime, das Graças, Fátima, Aparecida, da Guia, da Saúde, Assunção, do S. Bento, da Senhora do Porto de Ave, já a encerrar o ciclo, etc. São os títulos com que os cristãos mostram a sua devoção, como respiros da crença, numa piedade popular que reúne cristãos, não-cristãos, agnósticos e ateus. O nosso povo vibra com elas: fazem-se verdadeiras revoluções sociais, dando as mãos em convívios francos e de sonhos… As irmandades e comissões solícitas rivalizam umas com as outras para oferecerem o melhor espetáculo.

Tudo se prepara com antecedência e fazem-se novenas de preparação com pregações de formação e reflexão espiritual sobre o orago, ou sobre Maria, Deus, fornecendo uma catequese para crianças e adultos. É importante, não aconteça que se celebre o orago sem conhecer nada sobre o orago. São despesas extra, que as paróquias e freguesias com as festas possibilitam ao povo, que também tem necessidade de se divertir. É verdade. Por vezes, com um barulho ensurdecedor que não leva à meditação e contemplação da vida do padroeiro/a ou do santo. Tudo é festa e festivo, o diferente na indiferença... do quotidiano.

Festas há em que participamos desde a infância. Recordam-nos os momentos felizes em que, acompanhados pelos pais, vivíamos essa ternura ingénua e pura de crianças, de um cristianismo telúrico autêntico, que nos lembra essa infância lídima, em que nos sentíamos deslumbrados, uma espécie de lenitivo e bálsamo para muitas carências de vária ordem.

Os cânticos tradicionais nas igrejas remetem-nos para um passado feliz em que nos revemos e gostávamos de cantar e reviver. É um retorno à meninice, em que, humildes e menos ricos, abríamos as mãos para Deus e fazíamos as nossas humildes preces. Não se tratava de ópio, alienação, mas era a expressão de um ethos religioso de almas simples, sentindo-nos meninos jubilosos, que não tinham tudo, mas esperavam sempre da ajuda e devoção aos santos. Tomávamos consciência das limitações e até dos fracassos, e, mesmo pecadores, confiávamo-nos à proteção dos santos e à misericórdia divina.

Como me toca no mais íntimo da alma aquela Ladainha da Senhora do Porto de Ave, em latim, com refrão e contralto, repetida, em que muitos não entendem a letra, mas se cala no mais fundo, entrando pelos ouvidos a melodia num belo templo literalmente cheio! No passado, romeiros de todo o País, em autocarros fretados dirigiam-se com a sua devoção e humildade à romaria do Porto de Ave, e outros, atravessando mesmo a ponte de madeira sobre o rio, encomendavam-se à Senhora, mesmo espanhóis.

Tudo isto, após uma solene concelebração, presidida pelo Senhor Bispo Auxiliar, D. Nuno, com uma bela pregação em honra de Maria, concretizada no evangelho, e apelando à humildade e conservação da Natureza, emprestou à solenidade este ano um brilho inesquecível, traduzido depois num belo almoço-convívio de sacerdotes, oferecido à Confraria pelo senhor José Baptista, no restaurante Narcisus, com o senhor Presidente da Câmara. Em seguida, seria a majestosa procissão de andores, ricamente enriquecidos e adornados com flores, e muitas crianças e jovens no cortejo alegórico.

Como são grandes os corações agradecidos! Não podemos praticar uma religião só para pedir, mas também para agradecer, essa que nos faz generosos, contribuindo para as festas religiosas, exprimindo o que sentimos e sacrificando-nos na sua organização.

Temos contudo o direito de pedir mais silêncio e ordem na concessão de licenças para a sua realização, como mais regulamento de trânsito, quando a afluência de romeiros é de cada vez maior. Com melhor entendimento, podia fazer-se mais uso dos transportes coletivos, evitando os carros particulares. Parabéns ao P. Augusto pelo brilho que imprimiu às celebrações, e agradecimento aos benfeitores e Real Irmandade, ou Confrarias, que a têm levado a efeito com magnanimidade todos os anos.

O mesmo podemos dizer de outras em que participei, especialmente na Festa de Nossa Senhora das Graças, em Travassós, concelho de Fafe, agora com um roteiro histórico enriquecendo e recordando o património cultural e religioso patrocinado pelo pároco P. Manuel Oliveira. Que é isto senão cultura, sema que deriva de “cultus”? Mas nem sempre assim tem sido compreendido, mesmo por figuras de responsabilidade cívica e política.

Parabéns a todos os promotores de festas populares, por vezes, a precisar de mais fé e menos bairrismo provinciano ou telúrico. Mas são necessárias e podem ser mais purificadas na tradição popular.


Autor: Rosas de Assis
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12 setembro 2019