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Greves e bem comum

1. Tem-se insistido muito no direito à greve.

A greve é um direito absoluto? Pode exercer-se esse direito em prejuízo do bem comum? Quando o exercício do direito à greve colide com o direito que o comum dos cidadãos tem a poder dispor do necessário para a vida que direito prevalece? A coberto do exercício do direito à greve, que opõe trabalhadores à entidade patronal, é legítimo lesar pessoas que nada têm a ver com aquela discórdia?

Estas são questões que devem ser serenamente refletidas e a que é necessário, com calma, dar a resposta adequada.

2. Em setembro de 1973 publiquei o livro «Atuação política do cristão» onde também abordei o problema da greve.

Escrevi:

«Para que a greve seja legítima é necessário que

a) exista uma causa justa;

b) se não faça antes do prazo estabelecido no contrato ou aviso prévio;

c) no modo como se faz não haja violência. É proibida a sabotagem, a luta contra os que não aderem à greve, a ocupação das fábricas, a ação revolucionária e a agitação política.

Para que, além de legítima, a greve seja incensurável é necessário que:

a) haja fundadas esperanças de bom resultado;

b) as causas sejam proporcionalmente graves;

c) se experimentem todos os meios possíveis para um acordo pacífico».

Julgo manter-se atual o que escrevi há 46 anos. Antes de abril de 1974.

3. Estou persuadido de que a greve só deve ser usada como medida de último recurso, ponderadas devidamente as causas e as consequências.

Se os problemas se podem resolver através do diálogo porque há de surgir a greve?

Esta resulta, muitas vezes, da teimosia de uma ou de ambas as partes.

Não acontecerá de haver interesses partidários a explorarem o descontentamento dos trabalhadores?

4. A razão de ser dos sindicatos é a justa defesa dos legítimos direitos dos trabalhadores, sem esquecer as exigências do bem comum. É missão dos sindicatos servirem os associados e não qualquer força política, seja de direita ou de esquerda.

A independência dos sindicatos é um bem. Fazer deles correias de transmissão de qualquer partido, é um mal.

5. Os trabalhadores devem ser respeitados na sua dignidade e nos seus direitos. A dignidade de seres humanos e, na perspetiva cristã, de filhos de Deus deve ser-lhes reconhecida em todas as circunstâncias. Não são instrumentos de produção, mas pessoas. A jovem ou mulher trabalhadora não pode ser tratada como coisa de que dirigentes se servem.

O trabalhador tem direito a uma remuneração justa, a condições dignas de trabalho, a períodos de descanso, a cuidar da própria saúde, a um trabalho compatível com a vida familiar, a um ambiente sadio, a poder viver como ser humano e como pai ou mãe.

Tem, por sua vez, o dever de executar as tarefas que lhe são confiadas com consciência e competência. Aproveitar as horas de trabalho e os materiais que utiliza. Ser um bom companheiro e contribuir para uma sã camaradagem. Tem o direito de não ser instrumentalizado e o dever de se não deixar instrumentalizar.

6. Qual a retribuição justa pelo trabalho realizado ou pelo serviço prestado? Eis um problema.

Pode não ser justo o salário mínimo imposto por lei.

Há que lutar pela justa distribuição da riqueza produzida.

É injusta a grande disparidade, onde uns têm salários de miséria e outros beneficiam de retribuições principescas acompanhadas de escandalosas mordomias.

7. Greve e diálogo. Este deve preceder aquela.

Normalmente o que acontece? Trabalhadores e empregadores não se entendem. Surge a greve. Depois, para que esta se não prolongue indefinidamente, são obrigados a entenderem-se.

Se, para a greve terminar, chegam a acordo, com cedências de uma ou de ambas as partes, porque é que este não surgiu antes daquela principiar?

Também no que respeita aos conflitos laborais é imperioso que predomine o bom senso. Que se não façam reivindicações irrealistas e se atenda às legítimas exigências.

Que o Estado, sempre que necessário, não deixe de exercer a missão de árbitro verdadeiramente imparcial.


Autor: Silva Araújo
DM

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22 agosto 2019