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“We shall live in peace, some day”

O jornalismo de nostalgia tem evocado abundantemente o quinquagésimo aniversário do mítico festival de música de Woodstock, realizado entre os dias 15 e 18 de Agosto numa quinta do estado de Nova Iorque. Em Portugal, um dos textos mais interessantes sobre a efeméride foi publicado na quinta-feira por Tânia Pereirinha no Observador. Nele se dava conta do resultado de uma pesquisa do que, entre 15 e 31 de Agosto, foi publicado sobre a iniciativa em sete jornais nacionais – A Capital, o Diário da Manhã, o Diário de Lisboa, o Diário de Notícias, o Diário Popular, a Repúblicae O Século. O resultado é decepcionante: três notícias e uma foto-legenda. Conta Tânia Pereirinha que os textos, publicados em A Capital, noDiário de Lisboae em O Século, eram todos breves, terão sido redigidos a partir do mesmo takede agência noticiosa e não criticavam o evento, como o fez o editorial do jornal The New York Times, também citado. O jornal nova-iorquino considerava Woodstock um “episódio ultrajante” em relação ao qual “pais, professores e, no fundo, todos os adultos que ajudaram a criar a sociedade contra a qual estes jovens estão a rebelar-se de forma tão febril têm de aceitar a sua quota-parte de responsabilidade”. Os jornais portugueses noticiaram que o festival tinha decorrido de forma pacífica e ordeira, apesar do uso de drogas e da ocorrência de dois mortos no recinto. “O primeiro, esmagado por um tractor, quando dormia tranquilamente no campo; o segundo, intoxicado pelas drogas. Porém, em jeito de compensação – dentro de um automóvel e no hospital (para onde levaram a parturiente) –nasceram dois bebés”, pôde ler-se em O Século. A guerra colonial tornava impossível a evocação de um dos slogans do movimento hippie: “Make love, not war”. OHuffPost, também na quinta-feira, celebrou os 50 anos de Woodstock, divulgando o que tornou impossível repeti-lo hoje. Os organizadores do lendário festival sonharam e tentaram que ele fosse recriado estes dias. Em vão. Os principais obstáculos inultrapassáveis surgiram por causa de agora haver uma sensibilidade muito mais exigente quanto às questões de saúde e de segurança. Por isso, foram sendo sucessivamente recusadas as necessárias autorizações, relacionadas com o abastecimento de água, o fornecimento de alimentação, a assistência médica e o dispositivo de segurança. O medo de atentados e de tiroteios, que impõe uma panóplia de medidas de segurança que incluem detectores de metais, cães farejadores de bombas e revistas sistemáticas dos sacos, é compreensível depois do que aconteceu em concertos realizados em vários países. Em Outubro de 2017, 58 pessoas foram mortas quando um indivíduo à janela de um quarto de um hotel disparou sobre a multidão que assistia a um espectáculo de música countryem Las Vegas. Alguns meses antes, 22 pessoas morreram, em consequência de um atentado bombista, quando Ariana Grande dava um concerto em Manchester. Em Novembro de 2015, um comando jihadista matou 90 pessoas que se encontravam a assistir a um concerto do grupo Eagles of Death Metal no Bataclan, em Paris. Os três exemplos do HuffPostdemonstram que, de facto, desde há 50 anos, aumentou o risco de que algum fanático troque por “Make war, not love” o slogan icónico de há 50 anos, sobrepondo à música o som das balas. Não é só – nem sobretudo – nos concertos e nos festivais que têm aumentado os fanáticos com paixões belicistas. Mas, como na extraordinária canção “We shall overcome”, que Joan Baez entoou em Woodstock, “We shall live in peace, some day”.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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18 agosto 2019