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Para o anedotário da justiça

Ouvida pela SIC na passada terça-feira e no dia seguinte no parlamento, perante a Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, afirmou que “a Justiça portuguesa funciona hoje melhor do que alguma vez funcionou”, “contrariamente ao que parece transparecer no quotidiano”. E justificou a afirmação, argumentando que em três anos foram reduzidos 400 mil processos.

Evidentemente que só pode tratar-se de anedota, pois quem labuta diariamente nos tribunais tem a noção clara de que os problemas da justiça continuam a ser os mesmos: justiça lenta e ineficaz, legislação feita por gente sem preparação e sem prática dos tribunais, leis a mais e tecnicamente mal elaboradas, remendos sobre remendos que complicam os textos legais em vez de os clarificar e uma notória falta de estudo e reflexão sobre os males que afectam o sector e de uma visão de fundo das problemáticas que lhe andam cronicamente associadas. Mas de uma anedota prenhe de demagogia e eleitoralismo, pois que a senhora ministra sabe bem que, desde pelo menos 2012, há uma tendência estruturada de redução de pendências e de aumento das taxas de resolução processual.

Pense-se o que se pensar da anterior ministra da justiça, Paula Teixeira da Cruz – cujo estilo, aliás, nunca apreciei e de quem fui algumas vezes crítico –, a verdade é que mercê das reformas introduzidas entre 2011 e 2015, foi possível alcançar taxas de resolução de pendências superiores às entradas de novos processos, como, de resto, foi publicamente reconhecido por organismos internacionais como o FMI e a Comissão Europeia.

Quanto ao mais, tudo continua como dantes, com evidentes prejuízos para as pessoas, para o património e para a economia nacional.

E como se isto não bastasse, o relatório do Conselho da Europa relativo ao ano de 2018, também esta semana divulgado pelo órgão de monitorização anticorrupção, nomeou Portugal como o país do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO) que menos aplicou as recomendações contra a corrupção, com 73% das medidas recomendadas por acolher!

Ora, para um governo que elencou a corrupção como prioridade de acção e para um partido que volta a incluir tal prioridade no programa com que vai apresentar-se às próximas eleições legislativas, a inacção de que deu mostras nesta matéria ao longo da legislatura que está prestes a terminar não augura nada de bom. E mais ainda quando se sabe que, sendo impossível separar o combate à corrupção do respeito institucional pela autonomia do Ministério Público (MP), a Assembleia da República vai discutir e votar dois projectos de lei sobre o Estatuto dos Magistrados do MP, um da autoria do PS, outro do PSD, que põem em causa essa autonomia – aquele, prevendo que os procuradores deixem de eleger directamente a maioria dos seus membros, este, pretendendo transformar a actual maioria de magistrados numa maioria de membros nomeados pelo poder político.

A inoportunidade e sensibilidade desta questão são de tal forma evidentes que levaram já o Presidente da República a transmitir à procuradora-geral da República o seu apoio ao combate à corrupção como prioridade nacional e à autonomia do MP “em todas as circunstâncias”, nas vésperas de um início de uma greve de três dias convocada pelo Sindicato dos Magistrados do MP.

Quando era preciso dar à sociedade portuguesa um sinal inequívoco sobre a prioridade à prevenção e resposta à corrupção, o governo, com o apoio do maior partido da oposição(!), resolveu fazer exactamente o oposto, demonstrando que quer controlar politicamente a investigação criminal.


Autor: António Brochado Pedras
DM

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28 junho 2019