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O meu centenário do Diário do Minho

Quando empurrei pela primeira vez a porta da redacção, na Rua de Santa Margarida, estava um pouco intimidado. Embora fosse um diário regional, para mim uma sala onde trabalhavam jornalistas teria forçosamente de assemelhar-se ao open spacedo Washington Postem “Os Homens do Presidente” (1976). Entrei. Estavam apenas duas ou três pessoas. Indicaram-me que o diretor se encontrava num gabinete anexo. Bati na porta entreaberta. Recebeu-me o Monsenhor Silva Araújo. Deu-me as boas-vindas, fez-me visitar as instalações e apresentou-me aos futuros colegas: o Damião, o José Eduardo e o Machado Mesquita.

Uns dias mais tarde, cruzei o saudoso Abílio Peixoto. Uns meses depois, chegariam o Mário Malheiro e o Joaquim Fernandes. Com o tempo, fui conhecendo os colegas da fotografia, da publicidade e doutras secções, mas também os correctores de provas, os que trabalhavam nas rotativas e os que chegavam depois da meia noite para iniciar a distribuição dos jornais pela cidade.

Fazia sol naquela quarta feira, 1 de Julho de 1992. Passava pouco das 14h00, quando me sentei pela primeira vez na “minha” secretária, quase colada a um fax que debitava comunicados de imprensa directamente para uma caixa amarela com o logotipo azul dos Correios. Deram me um programa das festas de uma freguesia do concelho para fazer uma “breve”.

Devo ter passado meia hora para escrever meia dúzia de linhas. Redigi uma primeira versão que logo corrigi para depois retocar de novo e, finalmente, introduzir as últimas modificações. Quando apresentei o texto ao director, a aprovação quase soou a Pulitzer. No dia seguinte, levei para casa o meu primeiro exemplar do Diário do Minhopor causa daquela pequena notícia a quem ninguém terá prestado grande atenção, mas que para mim era motivo de orgulho. Não pelo texto em si, mas pelo caminho que me convidava a percorrer.

Trabalhei o Verão todo. Em finais de Agosto, propuseram-me que ficasse. O DM passou a ser a minha casa de segunda a sexta e em muitos domingos. Durante a semana, ia à Faculdade das 09h00 às 13h00, almoçava e entrava ao serviço às 15h00. Não raras vezes, só regressava a casa – com intervalos para tomar um café no bar do IPJ e jantar n’A Buraca – depois da meia noite e do fecho da edição… Foi a minha escola de jornalismo e de vida. Guardo em memória, entre muitas outras coisas, a emblemática figura do sr. Barbosa deambulando pelos corredores, ainda com os “filetes” que separavam as notícias colados aos dedos, a pedir a última página.

Foi nesta casa que fiz amigos, que aprendi a discernir os meandros do poder local, a importância da anedota e da necrologia para os leitores mais fiéis, o cheiro da manchete a sair da rotativa, o rigor das palavras, o peso duma gralha, a rotina das “rondas”, o ritual de uma conferência de imprensa, o rumor dos telexes desbobinando takesda Lusa de forma quase ininterrupta, o respeito pelo leitor, a solidariedade com os colegas da concorrência e tantas outras particularidades que fazem a beleza, mas também a dureza desta profissão.

Só lá estive até meados de 1996, quando decidi rumar até Paris para me formar no Instituto Francês de Imprensa. Nunca mais regressei ao activo, mas, no meu íntimo, jamais deixei de ser jornalista do Diário do Minho. Ainda hoje, quando assomam saudades desse tempo, abro a gaveta da escrivaninha para tirar a carteira profissional e um exemplar da revista comemorativa dos 75 anos para a qual escrevi um pequeno artigo. A minha fugaz passagem pela redacção deixou-me marcas indeléveis.

Por isso, também sinto um pouco como meu o centenário desta mui nobre instituição que tanto tem dado à cidade e à região durante este último século. Por isso, me mantive um leitor fiel e acompanho com carinho as mudanças e adaptação ao novo paradigma informativo. Também por isso me regozijo que o DM seja parceiro privilegiado da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais (UCP) na organização do congresso internacional “Repensar a imprensa no ecossistema digital” que terá lugar, em Braga, de 3 a 5 a Julho próximos. Bem-haja a todos aqueles que fizeram e fazem a história do Diário do Minho.


Autor: Manuel Antunes da Cunha
DM

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15 junho 2019