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Acordando para a realidade!

Há dias, necessitando de me deslocar de Braga para Lisboa por motivos profissionais, fui de véspera a uma bilheteira duma estação da companhia Comboios de Portugal (CP), com o intuito de adquirir bilhete de ida e volta. Pretendia viajar no domingo de manhã e regressar segunda-feira ao fim do dia.

Para meu sobressalto e grande incómodo, fui informado pelo funcionário que simpaticamente me atendeu que no Alfa Pendular já não havia lugares, nem para ir nem para vir. Apenas restavam alguns no Intercidades e que, mesmo assim, tinha de me decidir rapidamente pois já eram muito poucos. Sem outra opção que não fosse deslocar-me por outros meios, o que não estava nos meus planos, lá me decidi a comprar os bilhetes, regressando com uma lição, mas a murmurar com os meus botões!

Nos dias de hoje, para viajar de comboio em Portugal é preciso programar com alguma antecedência, pois a CP não tem capacidade para dar resposta à procura, pelo menos, em certas alturas do ano.

Alguns dias mais tarde, ao conversar com um velho amigo ferroviário contei-lhe o que me tinha sucedido. Este não só me confirmou que é uma situação recorrente, como também me disse que há muita dificuldade em garantir os comboios programados por falta de material circulante, que principalmente os comboios suburbanos de Lisboa e Porto estão a precisar de grandes revisões e que há muitos anos não se adquirem novas composições, imputando a responsabilidade às sucessivas administrações da CP por serem meras correias de transmissão dos governos, sem meios nem autonomia para fazerem uma verdadeira gestão.

Aquela surpreendente situação com que me deparei fez-me pensar na razão que têm todos aqueles que reclamam da qualidade dos transportes em Portugal e no declínio que genericamente afeta muitos outros serviços públicos.

Na realidade, setores essenciais para a população portuguesa como Transportes, Saúde e Educação têm sido vítimas das famosas cativações e outras omissões de investimento levando a uma degradação que, a não ser rapidamente sustida, dificilmente se tornará reversível.

Sem quaisquer rodeios, com uma explicação simples e conhecida, toda a gente sabe que um automóvel precisa de revisões regulares ou que uma casa necessita de manutenção. Se não forem feitas, mais tarde ou mais cedo o grau de deterioração será tal que o primeiro terá como destino a sucata e a segunda terá de passar por uma completa reconstrução. E isso sairá certamente muito mais caro.

É seguramente o que se tem passado nos Transportes, onde a medida de grande alcance social e ecológico de baixar os preços aos passes sociais trouxe mais clientes, mas agravou o problema da falta de meios. Basta recordar o que tem acontecido com os barcos que fazem a travessia do Tejo, para aquilatar da magnitude do problema.

No Serviço Nacional de Saúde (SNS), pese embora o esforço e a dedicação da larga maioria dos seus profissionais, o acesso limitado a algumas especialidades com longas esperas por consultas e cirurgias retira-lhe credibilidade e abala a confiança dos cidadãos. Como ainda há meses referia o Professor Correia de Campos, Presidente do Conselho Económico e Social e ex-ministro da Saúde, “nos tempos mais recentes, a reputação do SNS tem sido abalada por notícias, reais, exageradas ou ficcionadas, sobre carências de equipamentos, de pessoal especializado, de condições para intervenção indispensável. O clamor contra o que se considera suborçamentação pública tem vindo a ser explorado até ao infinito…”.

No que à Educação diz respeito, continua a sanha ideológica contra as escolas privadas com contratos de associação, com a anunciada descida do seu financiamento para o próximo ano letivo, prosseguindo e fazendo aumentar o impacto social negativo sobre os mais desfavorecidos, que são sempre os alunos de mais baixos recursos.

Muitos destes estabelecimentos de ensino nasceram para servir as populações locais, independentemente das suas condições sociais e agora veem-se limitados a recrutar apenas os alunos de famílias que possuem capacidade para pagar, inibindo os mais pobres de acederem a uma instrução de qualidade, aumentando as desigualdades.

Enfim, vivemos um tempo em que ilusoriamente nos pretendem mostrar tudo em tons cor-de-rosa, mas em que a verdadeira realidade é bem diferente, à semelhança de um bem conhecido proverbio que diz “Por cima folhos e rendas, por baixo nem fraldas tem”.


Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
DM

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11 junho 2019