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O assédio da «acédia»

1. Quando ouvimos o primeiro chamamento, enchemo-nos de brios e paixão. E damo-nos inteiramente às pessoas de alma e coração. Fazemos o que consideramos melhor, deduzindo que tal corresponda ao que é desejado por Deus e querido pelos outros. 2. No fundo, achamos que a solução está no que projectamos. Mas… e se o caminho também passar pelo que nem sequer sonhamos? Falta-nos prestar atenção ao segundo chamamento, àquele em que somos mobilizados para aquilo que não queremos (cf. Jo 21, 18). 3. Uma coisa é certa. Só dispondo-nos ao que não queremos é que com Cristo – totalmente – estaremos. Acresce que, quando nos centramos nas nossas opções, corremos o risco de oscilar entre a euforia e a depressão. 4. Se as pessoas aderem, exultamos. Mas se a resposta não surge, facilmente nos deixamos abater. Estaremos preparados para o fracasso ou para a indiferença? Somos frequentemente assediados pela «acédia», que pode ser descrita como um estado de torpor, desânimo, indolência e até desespero. 5. É curioso notar que a «acédia» chegou a figurar na lista dos pecados capitais. E não deixa de ser surpreendente que o Catecismo da Igreja Católica – respaldado em São João Cassiano e São Gregório Magno – continue a elencar, como último dos pecados, a «preguiça ou a “acédia”». 6. São Tomás registou que, tal como a alegria provoca muitas acções positivas, a «acédia» está na origem de um mero activismo ou então da pura inacção. Quem já não passou por situações de esforços (aparentemente) baldados? Um padre ortodoxo não hesitou em assumir: «Esforço-me tanto, mas as pessoas não vêm, não ouvem ou adormecem»! 7. Há quem se aperceba de que muitos crentes – incluindo os sacerdotes – não são imunes a grandes crises espirituais. O esgotamento e a sobrecarga começam a ser fenómenos contagiosos. 8. Tomás Halík vê aqui – mais do que sintomas da «síndrome de “burnout”» – sinais da «síndrome da porta fechada». É quando as expectativas começam a baixar e se vê o desalento a aumentar. 9. Muitos não deixarão de perguntar: «Se não consegui até agora, como serei de capaz de conseguir a partir de agora?» O assédio da «acédia» costuma ser perigoso. Os escapes, a procura obsessiva de seguranças ou a tentação da deserção podem surgir em força. 10. E se a alternativa for apostar mais no segundo chamamento? Fazer o que não queremos traz-nos surpresas inesperadas e resultados inauditos. Para Deus, até a fragilidade é uma oportunidade. E, afinal, não estamos sempre nas Suas mãos?
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
DM

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28 maio 2019