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Comportamentos eleitorais (2)

1. Não pode haver relação democrática saudável se não houver compromisso político baseado na confiança entre eleitores e eleitos, porque a democracia consiste em o povo delegar competências de poder nos eleitos, em quem confia, para gerirem o bem público. Só este compromisso de proximidade e de confiança democrática pode aproximar as partes, aumentar o grau de verdade e de exigência mútua e contribuir para uma melhor selecção dos candidatos (que teriam de se apresentar como capazese fiáveispara realizar o que prometem).

Por isso, quanto mais consciente, mais responsável e mais transparente for a campanha eleitoral e a escolha e votação, melhor a boa governação daí decorrente. Este seriao ideal democrático; mas, as coisas nem sempre assim acontecem: uma coisa é o ideal democrático e outra bem diferente é a realidade política existente. Mas, por aquilo que se vai sabendo através dos processos em tribunal por corrupção de agentes políticos com dinheiros públicos, as coisas não têm mesmo funcionado com essa exigência mútua de verdade, de responsabilidade e de confiança.

Mas, os eleitores também têm aqui a sua quota-parte de responsabilidade ao fazerem escolhas políticas menos conscientes. Já se sabe que, durante as campanhas eleitorais, os candidatos procuram convencer os eleitores a votar neles com argumentos que nem sempre são verdadeiros. O que lhes interessa é o voto na urna… porque, depois, é costume acontecer uma amnésia das promessas eleitorais e começar um novo acto do teatro político. Só o eleitor tem força para mudar isto, sendo mais exigente nas suas escolhas, para que se não formem governos inconsistentes derivados de votações pouco conscientes e pouco responsáveis.

2. Hoje, já ninguém tem dúvidas que muitas escolhas eleitorais sãoinfluenciadas por motivações pouco conscientes e pouco responsáveis.É verdade que há eleitores mais preparados que outros, mais influenciáveis que outros, menos objectivos que outros… mas, não pode ser verdade que, no meio dessa diferença de atitudes, se venha a esquecer uma coisa: a consciência de solidariedade cívica. É que, numa eleição, estamos todos no mesmo barco e os desvios eleitorais de uns podem contribuir para degradar a exigência da governação de todos.

Sendo embora, em teoria, a melhor solução de governo, a democracia corre o risco de se descredibilizar se não corrigir estes defeitos de corresponsabilidade entre eleitores e eleitos e de produzir governos que não praticam boa governação. Se os partidos nada fizerem para tornar a relação democrática mais consciente, mais participada e mais fiável, tornam-se responsáveis por uma governação que não serve a democracia e pelos movimentos de insatisfação e contestação à margem da democracia tradicional.

3. Entre as variadas maneiras que influenciam a consciência das escolhas políticas contam-se a desinformação, o gregarismo, a manipulação de emoções negativas, o assumir o acto eleitoral com a ligeireza de quem apenas pretende o poder e não o serviço do povo… John Krosnick, professor de Ciência Política na Universidade de Stanford, EUA, escreve que “todas as decisões de escolhas políticas eleitorais são inconscientes”. Será um exagero esta afirmação, embora toda a gente saiba que se continuam a usar expedientes para obter votos que induzem os eleitores a votar de forma pouco responsável e pouco consciente.

Um exemplo chocante é quando os eleitos não respeitam as regras de grupo numa eleição, usando expedientes para chegar ao poder. Temos agora o caso da Espanha em ebulição. Como umgoverno democrático se baseia na maioria dos votos,há uma regra consensual e básica que diz que, em qualquer eleição num grupo, é ao líder que obteve mais votos que compete governar. Porque, ganhar e perder faz parte das regras e do espírito democrático.

Há regras que, mesmo não escritas, são o suporte da democracia. E se o vencedor não tiver obtido a maioria absoluta, ou há novo escrutínio ou tem de negociar com outros grupos mais pequenos e entenderem-se nas opções políticas do conjunto. Isto remete-nos para a actual situação política, em que essa regra não foi respeitada. Uma eleição é para procurar um vencedore não uma qualquer soma de vencidos que se juntam para tomar o lugar do vencedor.Numa eleição vota-se num candidato concreto, não em hipóteses de coligação sem rosto.

Não respeitar esta regra natural é contribuir para criar um clima de desrespeito pela ética democrática eleitoral, que corrompe a confiança que se devia ter e gera um clima social onde vale tudo. E a verdade é que se vão observando comportamentos sociais, até aqui não vistos, que apontam para uma disrupção e desagregação de valores.

(Continua)

(Nota: o autor não escreve conforme o novo Acordo Ortográfico)


Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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17 fevereiro 2019