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Apanhados 4

Vi-o ao cair da tarde, ar circunspecto e solene, a descer a Avenida com o cão pela trela; à primeira vista e ao lusco-fusco, pareceu-me um cidadão de terceira idade, barba à caça-piolho e andar seguro, mas ligeiro, pelo que presumo seja um trabalhador em fim de carreira, à espera da reforma. A esta hora a Avenida é um mar de gente que deixa o emprego e suspende a azáfama das compras e o pasmo dos ócios a caminho de casa; e esta realidade espelha bem o pulsar da cidade, estuante de progresso e de vida. Agora, o canídeo, corpulento e ar agressivo, vai esticando a trela talvez antegozando já os devaneios-da-liberdade que o espera; e, assim, pressiona cada vez mais o dono a acelerar a marcha, embora com visível dificuldade de locomoção. Ao fundo da Avenida espera-os uma ampla praça, relvada e ajardinada, para onde habitualmente se dirigem; pois este é um local muito procurado para soltar os animais e dar azo a que os seus donos se relacionem e interajam. Ali chegados, desatado o lulu da trela, inibidora de movimentos amplos e azougados, este, manifestando de imediato o gozo de quem encontra finalmente a liberdade, corre, salta, cabriola, faz piruetas sob o olhar embevecido do dono. Eis senão quando, estaca no meio do relvado fincando as patas traseiras ao chão na postura absolutamente canina de alívio intestinal, e o resultado não se faz esperar e se traduz obviamente no alívio duma necessidade fisiológica cujo resultado mais não é do que um avantajado presente de fezes, fumegante e consistente, e que o animal saúda com uma enérgica corrida secundada de cabriolas várias. É então que o dono solta um sonoro assobio que faz o podengo inverter a corrida e, submisso, regressar para junto de si; e, aqui, o espera uma sessão de carícias e palmadinhas no lombo como recompensa da obrigação cumprida; e como quem diz: portaste-te bem, logo tens a recompensa merecida. De seguida, sem mais delongas, o cão é novamente atrelado e iniciam o retomo a casa, Avenida acima, no mesmo ritual de sempre e cumprindo escrupulosamente o trajeto inverso ao que os trouxe à praça; entretanto, em pleno centro do relvado ajardinado, fica o monte de dejetos à espera de um casal de namorados que, num devaneio amoroso, ali se vá rebolar ou de uma criança distraída que ensaie uma corrida de fim de tarde sob o olhar terno e vário do papá ou da mamã. Pois bem, se os cães usufruem de alguns direitos consignados por lei, como sejam, por exemplo, o de não serem abandonados ou maltratados e de serem assistidos na doença para cuja efetivação em consultas veterinárias e medicação o dono usufrui de descontos em sede de IRS, igualmente lhes são incumbidos alguns deveres, como não conspurcarem as ruas e jardins ou não incomodarem o cidadão comum; e se o animal, porque um ser irracional pelo seu cumprimento não pode ser responsabilizado, cabe ao dono ter de o assumir, como no presente caso e que é o dever de deixar o espaço público limpo, recolhendo as fezes. Ora, como nem todos os cidadãos cumprem a legislação que regula tal prática, quem sabe, se calhar nem o rabo aos filhos limpavam, compete à Autarquia agir em conformidade legislando, fiscalizando e punindo; e conheço algumas cidades em cujas praças e jardins públicos anunciadas são as pesadas coimas a aplicar aos donos de animais que não cumpram a legislação sobre o uso correto e digno pelos seus animais desses locais, para o que exercida é uma apertada e constante vigilância. Por isso, se espera que na nossa cidade se vigie e puna severamente os donos de animais que ignoram os deveres que têm de cumprir aquando do uso ser público dos quais o mais elementar e evidente é a recolha de fezes, já que decretado ainda não foi o uso de fralda que vinha a calhar e, até, para os atos de micção constante em que tais animais são fartos e abundantes. E tudo isto para que certos espaços públicos e de lazer deixem de ser autênticas latrinas para cães que dão de todos nós uma imagem degradante a quem nos visita; e para que possamos dizer finalmente que… É BOM VIVER EM BRAGA Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
DM

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6 fevereiro 2019