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O beco

Quatro pais falavam dos seus filhos desta maneira: eu pago a renda ao meu filho; eu pago o colégio dos meus netos; eu pago as prestações do automóvel que é ferramenta de trabalho, e eu, finjo que não pago nada mas dou-lhes a ele, à companheira, e aos meus dois netos, uma “prenda pelos anos” de cada um, uma consoada e um presente pela Páscoa, e tudo em dinheiro porque sei que é o que eles mais precisam.

Ora esta sociedade de filhos pendurados nos pais, diga-se, todos empregados, ilustram com total evidência uma sociedade de salários mínimos e empregos a prazo. Não podemos continuar com este estado de coisas a não ser que queiramos fazer uma sociedade de filhos de mãos estendidas.

E não falamos de empregos indiferenciados: um desses filhos subsidiados pela generosidade paterna, era engenheiro, outro era informático, outro arquiteto e o terceiro tinha o curso superior de gestão. Mas em que ficamos? Então a geração mais preparada de sempre, a geração com mais cursos superiores que há memória, é, afinal, a geração da pedincha? Que beco é este? Como se equaciona isto com a sua formação superior?

Só talvez com a escandalosa demonstração de riqueza que uns poucos por cento acumulam tanto como os restantes outros juntos. Gritam as almas por contribuição fiscal sobre os grandes lucros porque não querem morrer de necessidades enquanto outros morrem de saciedades; barafustam as consciências por melhores salários, pelo menos para pagar sem recurso aos pais alojamento e alimentação; berram as bocas por empregos estáveis para poderem constituir um lar e procriar seus descendentes com estabilidade e sem fantasmas de empregos a prazo.

Berram, gritam, barafustam e não por terem esta ou aquela cor política, ou ter esta ou aquela religião. Abrem a boca porque provocam a frustração de uma geração que os preparou para o mais, e agora lhes oferecem o menos, quando oferecem. Há que dizer à contabilidade, aos balanços e às gestões: menos lucros e mais sociedade.

As consciências devem tomar a frente deste combate porque de combate se trata ou vai tratar muito em breve, ou teremos um beco social. Um dia a revolta estoira e depois já não há remédio: a água que corre no rio do desespero é muito mais forte que a barragem dos lucros possa querer erguer.

Os coletes amarelos de França são um sinal evidente deste descontentamento que se globalizou porque a economia global gerou uma classe de muito ricos a par duma sociedade de muito pobres.

Esta desigualdade é uma blasfémia em termos sociais; esta desigualdade vai-nos demonstrar como o capitalismo é um sistema social desumano, onde o indivíduo só conta como elemento produtivo de baixo preço e dizer-nos que no socialismo o indivíduo pouco ou nada conta indivíduo; chegamos, deste jeito, a um beco sem saída? Não creio.

Os estados, através dos seus governos, devem contribuir fortemente os lucros, indo aí buscar os réditos da distribuição social. Mas assim não há investimento, dizem.

Investimento que traz salários mínimos, emprego precário, dependências financeiras familiares, desagregação familiar, a par de lucros escandalosos para meia dúzia, é esmola que mata o pobre. Ama menos e melhor, dizia-se, em tempos, a alguém que exagerava por amor; pois digamos nós, invistam menos e melhor para não fazerem do emprego uma sociedade de empregados pobres.

Com o recuo do socialismo deu-se o avanço do capitalismo, criando, assim, o beco onde atualmente estamos. A saída para o beco, a que chegamos com o capitalismo de estado, o socialismo e com o capitalismo de altos lucros, é simples: paguem melhor o trabalho e distribuam mais as mais valias.


Autor: Paulo Fafe
DM

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4 fevereiro 2019