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A centralidade da Assembleia no regime democrático

A resposta mais sensata aos problemas da modernidade deve partir de uma reflexão ancorada na sabedoria das gerações passadas, aprimorada com o lento fluir dos séculos. E uma das conclusões, ou lições, se assim lhe quisermos chamar, mais importantes no contexto da cultura ocidental é a de que, para a sociedade humana, não há melhor regime político que a democracia, por mais imperfeita que ela seja. E dentro do regime democrático, a Assembleia é o órgão mais importante; através do seu funcionamento se pode aferir o pulsar da democracia. Ali se reúnem os representantes do Povo, eleitos por sufrágio directo e universal. Das suas decisões, tomadas segundo o princípio da maioria, depende a vida de um Povo, de uma nação. A opção pela Paz ou pela Guerra é uma das suas mais importantes atribuições. Que podemos aprender com a história, a este respeito? Vem isto a propósito de um caso idêntico que se passou há muitos séculos atrás, após a morte do grande estadista de Atenas, Péricles, corria o ano 429 antes de Cristo. Dois anos antes, Atenas tinham declarado guerra a Esparta, em circunstâncias e por razões que se podem considerar complexas. Uma guerra que se havia de prolongar por vinte e sete anos e que ficaria conhecida como a Guerra do Peloponeso (431-404 a. C.). Perderam-se inúmeras vidas humanas, mas também os campos, na ática de Péricles, haviam de ser arrasados, obrigando a população a refugiar-se nas inexpugnáveis muralhas da cidade de Atenas. As pessoas amontoadas em espaços exíguos, em condições de salubridade deficiente, explicam a grande epidemia que viria a dizimar a população a partir de 430 a. C; Péricles seria uma das suas vítimas. O que redobrou o desespero que se ia apoderando das pessoas, impotentes perante a destruição dos seus haveres, ali à sua vista. Por essa época, uma das principais localidades dava pelo nome de Acarnas, bem visível desde as muralhas atenienses. E se Péricles deteve os indomáveis varões de terra tão fustigada pelas investidas do exército espartano, o certo é que, com o passar do tempo e o avolumar de incerteza quanto a um desfecho favorável a Atenas ainda complicou mais o ambiente vivido. E foi no meio dessa incerteza amargamente vivida que, inesperadamente, assomou às vidas daquela martirizada gente a esperança da celebração de um armistício. Com efeito, o valeroso general ateniense Cléon obteria vitória retumbante na ilha de Esfactéria, diante de Pilos, e os Espartanos não tardaram a oferecer condições de paz muito favoráveis em troca dos seus prisioneiros. Porém, Cléon, agora prestigiado pelo sucesso militar alcançado, convence a Assembleia a recusar a proposta de paz feita pelos Espartanos, prometendo ainda maiores vitórias; pelo caminho, aos aliados de Atenas seriam impostos pesados tributos, necessários para alimentar a máquina da guerra, dado que os cofres do tesouro de Atenas estavam vazios e não era prudente aumentar impostos em cidade sitiada. Decorria o ano 425 a. C. e este momento foi motivo de reflexão na literatura grega: o historiador Tucídides relata os acontecimentos; por sua vez, Aristófanes vai extrair daqui um humor sarcástico, qual porta-voz de uma significativa corrente de opinião que se erguia contra todos aqueles que retiravam apreciável lucro com a actividade da guerra, como sejam os políticos demagogos e os chefes militares. Mas também havia os denominados intelectuais inovadores, os sicofantas e os oportunistas. Para segundo plano ficava o interesse da comunidade. Foi neste contexto que subiu ao palco a comédia Os Acarnenses, possivelmente no teatro de Dioniso, no sopé da Acrópole, como ainda hoje se pode lá admirar. A representação desta peça de teatro terá ocorrido durante o Inverno, por ocasião do festival dionisíaco das Leneias; na assistência, devido aos rigores desta estação, estariam apenas atenienses. Por isso, o poeta vai assumir o seu papel de educador do povo e alertar os habitantes da sua cidade para os perigos de uma guerra que se arrastava indefinidamente, sem fim à vista. Como é que a população de Arcanas se vai transformar no pólo central deste texto dramático é o que iremos averiguar na nossa próxima reflexão.
Autor: António Maria Martins Melo
DM

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2 fevereiro 2019