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O caminho não será «ressacralizar»?

  1. Dizia Christian Duquoc que «a nossa época “adora” consensos». Sucede que alguns deles vão circulando de forma pouco discutida e raramente questionada.

  2. Um dos «preceitos» a que se vota assentimento generalizado é a defesa da «dessacralização». É uma ideia que «cai bem», pois conta com «boa imprensa» e generosa aceitação.

  3. As pessoas vão perdendo o sentido do sagrado. Não tratam como sagrado o que (pensam) não ser sagrado. E vão ao ponto de não tratar como sagrado o que é mais sagrado.

  4. Em vez de ser o sagrado a mudar o homem, é o homem que ousa mudar o sagrado. Já em 1512, o Cardeal Egídio de Viterbo preceituava que «os homens devem ser mudados pelo sagrado; não é o sagrado que deve ser mudado pelos homens» («homines per sacra immutari fas est, non sacra por homines»).

  5. O problema é que o sagrado já não está a ser mudado. Em muitos ambientes, parece estar, pura e simplesmente, a ser dissolvido. Como nos comportamos nos lugares santos? Outrora, tiravam-se as sandálias mal se pisava terra sagrada (cf. Êx 3, 5). Actualmente, já nem o chapéu se tira ao entrar na Casa de Deus.

  6. O excesso de informalidade, a falta de compostura e uma crescente ausência de aprumo tornaram-se o padrão de comportamento nas igrejas. Acresce uma defesa assolapada de iniciativas ditas «profanas», concebidas como opostas ao «sagrado».

  7. Esquecemos que, na sua origem, o profano não é o que se opõe ao sagrado, mas o que coexiste com o sagrado. E se coexiste, acaba por ficar marcado por ele. Daí que o homem também seja sagrado. Aliás, era o que sentia Séneca: «Res sacra homo».

  8. A História das Religiões certifica que a humanidade procurou sempre «sacralizar o próprio profano»; não «profanar o sagrado». Mircea Eliade apresenta as «hierofanias» como manifestações do sagrado através de objectos vulgares (diríamos «profanos») como uma pedra ou uma árvore.

  9. Como nos recorda Hans Urs von Balthasar, até o profano está em função do sagrado. Na sua raiz, «pro-fano» é o que está «diante do santuário». O «pro» reconhece que «ainda não estamos dentro dele», mas também adverte que «caminhamos para ele».

  10. O caminho não é, pois, «dessacralizar», mas «ressacralizar» o que tem sido «dessacralizado». Deus já Se fez o que nós somos. Porque não tentar ser como Ele é?


Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
DM

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22 janeiro 2019