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Os portugueses matam-se mais nas estradas

“He estado en Portugal 15 o 20 veces porque es un país que me gusta mucho, pero hace tiempo que decidí no ir en coche, porque cuando un portugués se pone al volante es un energúmeno, perde a sua temperança”. Encontrava-se escrito assim, em espanhol e português, o primeiro comentário online ao artigo “Os condutores portugueses matam-se mais na estrada agora que têm a carta por pontos”, que o diário El País publicou no início da semana. É, com razão, muito pouco simpático para os condutores portugueses, embora seja algo injusto na generalização que faz. Será difícil quantificar os portugueses que, quando se põem ao volante, são “energúmenos”, mas não é abusivo dizer que eles superabundam nas estradas portuguesas. A “temperança”, referida pelo leitor, não é propriamente a característica que mais importa para uma condução desejável, mas não há qualquer virtude que possa ser responsabilizada pelas 513 mortes indicadas no registo oficial da sinistralidade rodoviária de 2018, omissa quanto ao número de feridos graves que, mais tarde, acabaram por morrer em consequência dos acidentes. “Guerra das estradas causa dez mortos”, dizia ontem na primeira página o Correio da Manhã, noticiando que, apenas entre as 19h30 de quinta-feira e as 9h30 de sexta-feira, morreram sete pessoas nas estradas nacionais e que as outras três morreram depois (as mortes nas estradas não é assunto para a imprensa outrora considerada de referência). O número de mortos e feridos graves, que as estatísticas também dizem ser resultantes de acidentes ocorridos sobretudo nas cidades, é um escândalo inquietante. A poucos, todavia, escandaliza e inquieta a não ser, talvez, na estrita parte em que aos políticos puderem ser imputadas as responsabilidades. O artigo do jornal espanhol não deixa de lhes atribuir algumas. Elas dizem respeito, em grande medida, à quase inexistência de perseguição e de punição dos “energúmenos”. A tarefa não deveria ser desdenhada. É que para podermos beneficiar de um módico de civilidade rodoviária parece que se impõe como necessário que os governantes instalem um agente da autoridade em todos os cantos e cruzamentos. Como se sabe, inúmeros condutores regridem a uma espécie de estado de asselvajamento sem PSP ou GNR por perto. E como nem ao longe estes se avistam, multiplicam-se aqueles para quem tudo vale. Dizem os especialistas em sinistralidade rodoviária que o diário El País inquiriu que o aumento do número de mortos se deve à “impunidade” sentida pelos condutores. Ou seja: deixados a sós, os condutores incapazes de se comportarem com o respeito devido aos outros e a si próprios vão proliferando. O que é bizarro é que esta impunidade é não apenas sentida, mas também energicamente reclamada, mesmo por gente imprevista. Há tempos, um distinto professor catedrático, que prognostica o regresso de algum Salazar para pôr isto na ordem, mostrou-se ofendidíssimo nas páginas de um jornal pela afronta de ter sido multado por ter feito o que a lei o proibia de fazer (e, sim, o Estado obter um financiamento multando os que não cumprem o código da estrada é algo que, além de não negligenciável, junta o útil ao agradável). Não respeitar as regras é uma prerrogativa de que muitos se sentem no direito de usufruir continuamente, conduzindo alcoolizados ou com excesso de velocidade; circulando em sentido oposto ao previsto; não dando passagem aos peões nas passadeiras; intimidando mesmo os que se comportam de um modo mais prudente, etc. Se apanhados em falta, exigem impunidade. Basta reparar na irritação dos chicos-espertos que se confrontam com algum obstáculo que não os deixa estacionar em sítios proibidos. Pouco lhes interessa se obstruem a circulação de quem não está suficientemente ginasticado para se contorcer olimpicamente. Em certa ocasião, a dificuldade em estacionar à balda foi mesmo denunciada publicamente como uma desgraça para a actividade comercial numa zona bracarense. Quem nunca presenciou a situação de um automobilista a circular no passeio notoriamente incomodado com os peões que tardam a desviar-se? Quem percorre as ruas da cidade observa permanentemente situações de abuso automóvel que se tornaram banais. E se alguém chamar a atenção para o malefício que está a ser causado, depressa perceberá que a “impunidade” já conquistou os seus direitos. Demasiados direitos, usufruídos frequentemente à custa dos que nunca deixam de se sentir impelidos a respeitar os seus deveres.
Autor: Eduardo Jorge Madureira Lopes
DM

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13 janeiro 2019